quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Venezuela gera preocupações

Apesar dos discursos ousados de Hugo Chávez e das suas manifestas ambições de liderar a América Latina e de aproveitar o estado de saúde de Fidel para influenciar a política de Cuba, atraírem simpatias de algumas pessoas com tendência para aplaudir tudo o que é anti-americano, os sinais que chegam da «pequena Veneza» estão a gerar preocupações aos observadores mais atentos e imparciais. A frase "os povos felizes não têm História " foi inventada para ilustrar a sua contrária: os povos infelizes têm demasiada História, ou variadas histórias, como acontece com a Venezuela, a ocupar demasiado espaço nos noticiários.

Quanto aos portugueses que ali vivem e trabalham , o clima é intranquilo tendo este ano já sido sequestrados 15, oito dos quais apenas no mês de Agosto, incluindo os quatro que foram raptados há dias. Mas é considerado pela imprensa local de língua lusa que a realidade é superior a todas as estatísticas conhecidas, uma vez que muitas famílias preferem não comunicar o sequestro às autoridades, com medo de represálias, limitando-se a pagar o resgate.

Segundo afirmações à Televisão Nacional Venezuelana do general Jaime Escalante, chefe do comando regional da Guarda Civil venezuelana de San Cristóbal, estes sequestrados podem estar na mão dos guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) da Colômbia. Posteriormente a esta declarações, um alto responsável militar venezuelano disse, dois dias após, já ter “algumas pistas” sobre o rapto na tarde de domingo.

Não é um drama exclusivo da comunidade portuguesa. Números das entidades oficiais venezuelanas revelam que este ano já foram sequestradas 196 pessoas, 39 das quais continuam desaparecidas.

Entretanto, o Presidente Hugo Chávez desvenda nova Constituição , sete anos após a primeira alteração, tendo apresentado ontem à noite a nova reforma que deverá levar o país para o "socialismo do século XXI". A medida mais polémica, uma das poucas que foram reveladas antes do anúncio oficial, é a eliminação do número limite de mandatos presidenciais, que leva a oposição a dizer que o único objectivo de Chávez é ficar indefinidamente no poder.

O projecto será agora debatido no Parlamento - totalmente sobre o seu poder - antes de ser alvo de um referendo popular. O Presidente foi reeleito no final do ano passado com uma larga maioria.

A Constituição que Chávez quer ver implementada estabelece que a "soberania reside intransferivelmente no povo", sendo o novo "Poder Popular" implementado através dos conselhos comunais, mais um degrau da "geometria do poder".

10 comentários:

PintoRibeiro disse...

E não são poucas, realmente.
Boa noite, abraço.

A. João Soares disse...

Caro Pinto Ribeiro,
Gostava de conhecer pontos de vista variados esclarecedores sobre este fenómeno a que me vou referir e que merece profunda troca de opiniões.
Os políticos perdem a noção da ética, deixam de resistir à tentação do Poder que corrompe, que domina e submete, pior do que a pior droga.
Será que se consideram semi-deuses, donos do seu país? Será que são ofuscados pelas loas dos lambe-botas que os cercam para colher vantagens, perdem a noção da sua função de serviço público?
Fala-se de democracia, mas todos têm tendências autoritárias que por vezes chegam ao extremo. Como se compreende que a democracia não passe de uma palavra para muitos governantes?
Na Coreia do Norte, o grande líder; no Zimbabwe, Robert Mugab pretende morrer no poleiro; No Sri Lanka a sr.ª Chandrika Bandaranaike não abandona uma milésima do poder nem por milagre; Em Myanmar (Birmânia), a ditadura militar recusou entregar o poder à eleita Suu Kyi, entretanto premiada com o Nobel da Paz; em Cuba, Fidel só abandonou o poder por motivo de doença que o colocou à porta da mote e, mesmo assim, entregou-o ao irmão como se fosse propriedade sua e não do país; em Angola, ao fim de 30 anos, Eduardo dos Santos, porque se sente perto da morte devido a mal na próstata, parece decidido a fazer eleições no próximo ano.
Se apenas querem sair na hora da morte, que haja alguém que lhes traga depressa esse momento, para bem dos cidadãos.
Esse autoritarismo começa por tudo querer controlar e por reprimir quem abra a boca, como já se vê cá, com o caso Charrua, a demissão da directora do Centro Clínico de Vieira do Minho, o processo contra o Prof António Caldeira que trouxe a público a situação confusa da «licenciatura» de Sócrates, etc.
Só resiste à tentação charmosa e aliciante do Poder quem tem boa formação cultural e ética, o que é raro nos políticos, devido à carreira originada na incompetência verificada logo no início da actividade escolar.
Um abraço

Anónimo disse...

Confesso que inicialmente vi na reviravolta política de Hugo Chávez, ocorrida na Venezuela, um sinal positivo de alternativa à globalização neoliberal em curso. Hoje em dia, começo a ter sérias dúvidas quanto à democraticidade desse regime, agora tão autocrático.
Um abraço amigo

A. João Soares disse...

Não parece fácil a um político ambicioso (como todos são) resistir à tentação do poder, do seu abuso. Isto só pode ser contido, se houver um órgão isento e eficiente de controlo do executivo. Esta é uma função do legislativo, mas que muitas vezes se limita a apoiar o executivo. E, no meio de tudo isto, o povo que se lixe!
Abraço

Maria Faia disse...

Caro Amigo João Soares,

Do diccionário de grande parte dos políticos que actualmente vão (des)governando as nações e, dentro destas, as cidades, não constam termos como ética, interesse público, fraternidade, liberdade etc...
Todos estes princípios, tão caros a qualquer democracia que se preze de o ser verdadeiramente, são simplesmente usados como fachada para incobrir os verdadeiros objectivos dos políticos sem escrúpulos que procuram riqueza material e vantajens económicas para si próprios e seus países. Veja-se o caso flagrante dos Estados Unidos que, vergonhosamente, usando a fachada da liberdade e da democracia invadem outros países ricos em petróleo e outros bens materiais, fomentam o desenvolvimento e crescimento das suas exportações de armamento bélico etc...
E, dos países sub-desenvolvidos governados por políticos que, apesar da pobreza em que vivem as populações, constróiem impérios de riqueza material, principamente situados em países terceiros, explorando as riquezas naturais dos seus próprios países...
E, assim, a violência vai aumentando à medida que a pobreza vai continuando a ganhar terreno pelo mundo fora.
Será que alguma vez os países ricos se preocuparam verdadeiramente com as questões sociais da pobreza e da exclusão social? É claro que não. Reunem-se os "senhores do G8" para tratar dos seus interesses, formando cinturas policiais repressivas em seu redor (como se deuses fossem), com medo do que a revolta do povo lhes possa fazer (à sua integridade e bem-estar físico, que é isso que os preocupa).
Esses senhores são os grandes e únicos responsáveis pelos grandes males do mundo e, qualquer perdão de dívida, de países pobres, que divulguem ao mundo, somente serve para, vergonhosamente, encapotar os seus interesses desumanitários com as migalhas que lhes não fazem falta.
Lutemos todos contra eles...

A. João Soares disse...

São verdades irrefutáveis e termina com chave de ouro «Lutemos todos contra eles...» e acrescentaria: e contra os que nos países pequenos abusanm do poder em prejuízo dos mais desprotegidos, daqueles que esperam deles justiça social e menos fome.
Abraço

Fernando Samuel disse...

Meu caro A.João Soares: aqui estou a cumprir o prometido, comentando o seu post sobre a Venezuela.

Não sei quem são esses «observadores atentos e imparciais» que estão preocupados com a situação na Venezuela. Até agora, só vi «preocupações» desse tipo nos obsevadores/mercenários ao serviço da ideologia dominante. E, a meu ver, eles têm bastas razões para «preocupações»: na Venezuela, que visitei aquando das eleições de Dezembro passado, está em construção uma sociedade livre, justa, fraterna e solidária - coisa que é intolerável para os donos desses «observadores imparciais».
Se essa democracia bolivariana irá por diante ou não, é coisa que não sei: mas ainda que se perca, valeu a pena ter sido tentada: milhões de venezuelanos já viram que o futuro é possível - e já sabem, em consciência, que o ser humano, pelo simples facto de existir, tem direitos que ninguém tem o direito de lhe roubar.

A alteração à Constituição - com «a eliminação do número limite de mandatos» - a ser aprovada, nada tem de antidemocrático se, como tudo indica que vai acontecer, o povo venezuelano a aprovar democraticamente. Pior, muito pior - e profundamente antidemocrática - é a situação em que nós vivemos, em que a Constituição da República tem sido, e é, todos os dias desrespeitada e violada por todos os governos dos últimos trinta anos - os quais, assim, e com descabeladas demagogias eleitorais, têm vindo a criar, no plano político, um sistema de governos de política única e, no plano partidário, um sistema que tende a assentar num perigoso unipartidarismo bicéfalo, à imagem e semelhança do que existe nos EUA.

Hugo Chavez foi sempre eleito pela imensa maioria dos venezuelanos - em eleições amplamente participadas (muito mais do que aqui em Portugal ou nos EUA, por exemplo) e com uma transparência democrática que... tomáramos nós.
Acresce que a nova Constituição Bolivariana é muito mais do que essa anulação dos limites de mandatos - que, a meu ver, insisto, nada tem de antidemocrática. Em matéria de direitos políticos, sociais, sindicais, humanos, civilizacionais, ela está anos-luz à frente de qualquer outra constituição hoje existente.

Quanto aos raptos: talvez um dia destes venhamos a saber quem, em concreto, os pratica. Duas coisas são certas: esses raptos são altamente desfavoráveis à Venezuela Bolivariana; e são altamente favoráveis aos inimigos da Venezuela Bolivariana.

Finalmente: «classe política» ou «os políticos» são expressões que, na minha opinião, pecam por uma generalização que só serve os políticos demagogos, que abusam do poder, que são corruptos, etc. São expressões que escondem uma outra realidade comprovada pela vida ao longo dos tempos: é que, felizmente, há muitos políticos diferentes desses que são todos iguais.

Desculpe a extensão do meu texto, na próxima vez serei muito mais breve.
Um abraço.

A. João Soares disse...

Caro Fernando Samuel,
Não tem que pedir desculpa pela extensão do comentário. Este espaço é livre e aberto a todos os comentários apresentados com educação e urbanidade, como é o seu caso.
Oxalá que tenha razão quando diz que «milhões de venezuelanos já viram que o futuro é possível - e já sabem, em consciência, que o ser humano, pelo simples facto de existir, tem direitos que ninguém tem o direito de lhe roubar.»
Oxalá não surjam dias em que achem que lhes roubaram os seus direitos.
Todas as experiências dirigidas para melhorar as condições de vida e a felicidade dos povos devem ser aplaudidas. A nobre missão da ciência Política é orientada para esse objectivo supremo.
Volte sempre para contribuir para melhor esclarecimento das mentes.
Um abraço

A. João Soares disse...

Ferreira Fernandes escreve no DN de 21 de Agosto o seguinte artigo:

O Socialismo de rosto chaveano

Paul Lafargue tem um só livro. É coerente, o livro chama-se O Direito à Preguiça. Cubano de nascimento, Lafargue foi genro de Karl Marx. Cubano e marxista (mesmo de forma colateral) é um cocktail a que Hugo Chávez não podia resistir. Chávez anunciou a jornada de seis horas: "Os cidadãos têm de ter mais tempo." A Venezuela é o país com mais sequestros. Agora vai haver mais tempo para programar essa indústria. Os cartazes do Governo têm a foto de Chávez. Não ajuda a propagandear um socialismo de rosto humano. Os cartazes dizem: "Rumo ao Socialismo." Ao lado, os da Toyota dizem: "Vamos Juntos." O socialismo venezuelano veio para ficar, já todos são iguais: os cidadãos em geral são assaltados e, anteontem, o ministro da Defesa de Chávez, o general Pedro Carreño, viu a sua casa assaltada. Quando anunciou as seis horas para os venezuelanos, Chávez fez um discurso de oito. O líder também é igual, mas aos políticos de todo o mundo. Diz uma coisa e faz outra.

A. João Soares disse...

O Diário de Notícias de 22 de Agosto traz dois artigos que evidenciam aspectos da política interna e da posição anti-americana de Chávez e da intenção expansionista na América do Sul acrescida do culto da personalidade
O socialismo que acaba numa tenda
Latas de atum com rosto de Chávez invadem Peru