Todos os anos, nesta época, somos bombardeados por publicidade agressiva de produtos destinados a crianças e de algum modo ligados à reabertura escolar. As crianças, em competição com os colegas e de olhos postos na publicidade que lhes entra pelos olhos na TV e nos múltiplos folhetos, não querem sentir-se discriminados negativamente perante os seus colegas, filhos de gente rica. Isso obriga muitas famílias de fracas posses a gastar muito mais dinheiro do que aquele que desejavam com os estudos dos filhos. Sentem que é necessário que os filhos usem «produtos de marca» a fim de não ficarem atrás dos ricos.
Infelizmente, é uma situação normal no mundo de consumismo em que vivemos. Mas será conveniente a procura de uma solução que faça acordar as pessoas adormecidas e as leve a pensar naquilo que realmente lhes interessa, sem ser a pressão da equiparação aos outros e o receio do que eles possam pensar de si. Será bom que se acabe com a actual tendência social para a competição nos aspectos da ostentação de riqueza, desprezando os verdadeiros valores pessoais.
Alguém me recordou que, em fins da década de 1940, numa cidade de província, o reitor do Liceu obrigava ao uso de uma bata branca, que ocultava as diferenças dos sinais exteriores de riqueza. À chegada, os alunos passavam pelo vestiário onde deixavam o guarda-chuva, a gabardina, etc. e vestiam a bata, fazendo o inverso à saída. Os cadernos diários das disciplinas eram de modelo único adquiridos na cantina liceal.
Havia um aluno, filho de proprietários agrícolas de poucas posses, que se deslocava diariamente a pé, entre a sua aldeia e o Liceu, uma distância de cerca de seis quilómetros. Usava botas de «sola de pneu» e as roupas, devido à poeira, à lama, à chuva, à neve e ao vento, das suas viagens de ida e volta, não apresentavam aspecto muito famoso.
Como por essa data, não havia competição pelo calçado, roupas, mochilas, etc. de marca, como os artigos escolares não se prestavam a ostentação, como era usada a bata, esse aluno nunca foi discriminado, antes foi apreciado por todos por, apesar das dificuldades a que tinha de fazer face, com perda de tempo em viagens, sem ter um explicador, conseguir altas classificações. Estas eram um factor primordial de apreço, muito acima dos aspectos exteriores. Quando, agora, se fala nas facilidades que estão a ser planeadas para os melhores alunos, como prémio ao mérito, como estímulo aos melhores desempenhos, lembro-me com saudades desses tempos em que esse aluno era apreciado pelos colegas, pelo seu saber, pelas classificações que obtinha e pela sua disponibilidade para tirar dúvidas aos colegas e ajudá-los.
No fundo de tudo isto, havia uma perfeita noção da responsabilidade, da obrigação de fazer bem, de desempenhar com a maior excelência as tarefas que lhe eram exigidas, de corresponder ao que dele era esperado pela família. E o Estado já tinha em prática um sistema de prémio parecido com aquele que está a ser desenhado em duas universidades da Alemanha e em Portugal, e, perante as boas notas este aluno teve isenção de propinas durante todo o Liceu e, face às altas classificações obtidas no exame do 5º Ano (equivalente ao 9.º de hoje), recebeu uma bolsa de estudo constituída por uma pequena mensalidade durante o 6.º ano.
Da recordação de tudo isto e da reflexão sobre o actual problema dos pais, surgem as perguntas: um aluno de hoje, em condições semelhantes às daquele que se recordou, a perder em viagens perto de três horas por dia, a fazer os trabalhos de casa à luz do petróleo, a passar várias horas com a roupa molhada pela chuvada matinal, conseguiria suportar a pressão dos colegas ricos e obter boas classificações e acabar o curso superior bem cotado? Como garantir hoje que os jovens saibam assumir aquilo que são, os seus valores intrínsecos, e aprendam a viver com o que têm? Como aprenderão que «basta ser feliz; não é necessário ser mais feliz do que os outros»? Será bom que pais e professores ensinem boas regras de vida às crianças para no futuro saberem bem gerir as suas vidas.
A Necrose do Frelimo
Há 4 horas
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