Ultimamente tem-se ouvido citar estes conceitos de forma pouco consentânea com o seu significado ortodoxo. Cada um tem o direito de ter a sua ideia, mas quando se comunica, é necessário utilizar significados correntemente aceites. E reflectindo nesses significados, verificamos que há muita gente a levantar poeira que dificulta a visão dos demais. Seguem-se umas ligeiras reflexões que bem merecem ser mais aprofundadas.
Quando se fala em soberania quer-se dizer a autoridade suprema do poder político do Estado ou Nação, sendo o Estado a Nação politicamente organizada, num território bem definido e reconhecido internacionalmente. Segundo a maioria das teorias da ciência política, a soberania nacional é a que corresponde ao povo, do qual emanam todos o poderes do Estado, ainda que sejam exercidos por via da representação.
Por Nação entende-se o conjunto de indivíduos que constituem uma sociedade cimentada por uma cultura de comunhão e de tradições em que a identidade de língua, de religião ou de etnia são importantes, embora não imprescindíveis. Trata-se de indivíduos unidos por uma consciência nacional de interesses, necessidades e aspirações.
A democracia não poderá ser interpretada à letra de influência do povo na governação pública. Não significa, de facto, exercício real do poder pelo povo; pretende dizer que o povo, a Nação, exerce uma influência decisiva no exercício do poder político, podendo esta influência ser variável em intensidade, efectividade e capacidade. Em suma, a democracia fundamenta-se no consentimento dos governados, reflectido na opinião pública e na vontade popular.
Na sua época e no seu país, Luís XIV era o detentor da soberania absoluta e dizia «o Estado sou eu». Mas, mais modernamente, em democracia, deparamos com indivíduos a esgrimir o dedo apontador, ameaçadoramente, como ponteiro de severo professor de antigamente, como que a dizer «quem aqui manda sou eu» ou «eu sei o que quero para Portugal».
Ora, segundo os conceitos acima referidos e segundo os textos das modernas constituições que dizem que «a soberania reside em a Nação», os detentores da soberania são os cidadãos que, em democracia, a delegam em representantes, através de formalidades estabelecidas, vulgarmente, por eleições. Daí que, ao contrário do que muitas vezes se diz, o Estado é mais do que a estrutura administrativa e política, sendo o seu elemento mais preponderante a Nação, a população, cujo bem-estar e condições de vida devem constituir o objectivo principal da governação.
Porém, a democracia realmente existente padece de um autoritarismo abusivo dos eleitos pelo povo que se consideram mandatados pra fazer tudo o que lhes vem à real gana, sem admitirem observações, sem permitirem a expressão livre da indignação (termo de Mário Sores) e exigindo dos eleitores a total resignação (termo de Cavaco Silva).
E, no meio deste autoritarismo, surgem decisões de tal maneira estranhas e nocivas que o povo e, por vezes as autarquias, manifestam o seu desacordo, a sua indignação do que muitas vezes resulta o governante da tutela recuar, provando dessa forma a leviandade da decisão que tinha tomado sem ter tido em atenção factores fundamentais. Tais casos evidenciam que estamos perante uma gestão dos interesses nacionais segundo o método de tentativas, erros, reclamações e correcções, do que resultam prejuízos para o Estado, de vária ordem, desde os financeiros, o tempo perdido, até à perda de confiança da Nação nos seus eleitos.
E o problema da confiança nos eleitos conduz a reflexão para o sistema eleitoral. O povo soberano de um qualquer distrito, independentemente do seu grau de escolaridade, do seu grau de cultura e da acumulação de informação pela experiência da vida, é chamado a escolher uma de várias listas de pessoas que não conhece, de pessoas que, em muitos casos, nada sabem dos problemas dos habitantes do distrito. Terá de fazer uma escolha com base na propaganda de falsas promessas com que é bombardeado numa campanha dispendiosa como se se tratasse de um qualquer produto comercial, tipo banha da cobra. É, portanto, uma escolha às cegas tal como quem escolhe a chave com que vai jogar no totoloto.
Esta imagem de «lotaria» não está exagerada. Vejamos que os primeiros da lista vencedora raramente vão ocupar o lugar para o qual foram eleitos pelo povo inocente e crédulo. Muitos dos outros acabam por sair da AR, por irem para ministros, secretários de Estado, e outras agradáveis funções da estrutura do Estado. O povo acaba por não ter a «representá-lo» nenhuma das poucas figuras de que se recorda da campanha em que foi assediado a votar.
Portanto, dizer que o povo é soberano é uma falsa verdade, porque não tem qualquer realismo, enquanto não lhe for permitido expressar-se livremente, através de qualquer meio, sobre os grandes problemas do País que a todos dizem respeito. Há que retirar as ameaças ao povo, afastar os «bufos» do SMS e de outros métodos, dar liberdade ás trocas de e-mails e à expressão através de cartas aos jornais e de blogs. O Governo não deve deixar de analisar o que esses meios transportam, mas apenas para melhor conhecer as opiniões dos cidadãos e melhor se orientar na prossecução da soberania que deles emana, e não para os amordaçar, amedrontar e levantar processos criminais por delitos de opinião, quando eles afinal defendem a moralidade e a ética da vida da sociedade nacional, dentro dos princípios da democracia e cheios de grande esperança num futuro com melhor justiça social, mais desenvolvimento e melhor qualidade de vida.
Não deve, porém, permitir-se calúnias e ofensas pessoais que vão além daquilo que a tradição e a vivência cultural consideram aceitável. É imperioso que se respeitem as pessoas do mais pobre ao mais rico, em qualquer sentido.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Soberania, Povo e Estado
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2 comentários:
Palavras são palavras, infelizmente.
Um abraço.
Caro O Pintas,
Não menospreze o valor das palavras. Elas têm um efeito demolidor ou milagrosamente construtivo. O seu efeito é lento, corrosivo, ela actua como a água mole que, batendo pacientemente em pedra dura, acaba por furá-la.
Um abraço
Sempre Jovens
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