Transcreve-se o seguinte artigo de opinião do Jornal de Notícias, pel lição cívica que encerra:
Partilhar
Luís Portela, Médico e administrador de empresas
Numa estadia de três semanas na Polinésia Francesa, há alguns anos, percebi o baixo sentido de posse da população local. Durante séculos os polinésios terão desenvolvido um conceito de partilha das coisas, sem sentirem necessidade de possuírem as suas propriedades, as suas árvores de fruto, os seus barcos. Aparentemente tudo era de todos.
Claro que com a colonização francesa esta cultura se foi alterando. Mas, mesmo assim, fez-me reflectir um pouco sobre os conceitos de partilha e de felicidade. Muitos pensadores orientais e também alguns ocidentais têm chamado a nossa atenção para o facto de o ter ou o parecer não serem propriamente fonte de felicidade. Esta terá mais a ver com o ser, ser autêntico, ser útil a si próprio e, sobretudo, aos outros.
As crianças, por exemplo, gostam de partilhar as suas brincadeiras, o seu espaço, as suas coisas e, por vezes, até a sua merenda. Claro que também assumem posições egoístas, mas isso parece não as fazer sentir bem. Sentem-se felizes quando partilham.
Igualmente os jovens gostam de partilhar os seus períodos de estudo, os seus tempos de lazer, as suas ideias e os seus problemas. E, quando se dedicam a actividades de apoio social, fazem-no com grande espírito de dádiva e com muito prazer interior.
A generalidade dos adultos guardam memória de bonitos momentos de partilha da sua infância e da sua adolescência. Depois, talvez o revolutear dos acontecimentos à sua volta e os conceitos materialistas reinantes os afastem mais ou menos de uma postura de partilha.
Mas, quando conseguem conquistar outras pessoas a partilharem de forma enriquecedora ideias, conhecimentos, experiências, participando activamente na construção de projectos ambiciosos e partilhando, depois, o caminho na concretização de realizações bonitas, sentem-se muito bem. E essa forma envolvente, em aberto espírito de partilha, parece a mais apropriada à concretização de grandes objectivos.
Se isso dá prazer interior, também o partilhar directamente com o outro, nomeadamente com quem necessita de apoio, faz a pessoa sentir-se bem. E Portugal tem nas Misericórdias, uma longa tradição de mecenato social, alargada a muitas instituições de apoio nas mais diversas áreas.
Mesmo o mecenato cultural e científico, que até meados do século passado parecia não ter grande expressão, tem vindo nas últimas décadas a ganhar relevância. A Fundação Gulbenkian, a Fundação Serralves, a Fundação Casa da Música e a Fundação Champalimaud são expoentes desse apoio mecenático, que se faz sentir em muitas outras instituições e organizações.
E o enorme número de aderentes ao voluntariado social que se tem desenvolvido nas últimas décadas, evidencia-nos a tendência de partilhar. Se repararmos em alguns desses milhares de homens e mulheres que reservam algum do seu tempo, alguma da sua energia, alguns dos seus recursos para - de forma quase sempre discreta ou até anónima - beneficiarem o seu semelhante, percebemos a necessidade que sentem em partilhar e o prazer interior com que o fazem.
NOTA: Aproveito esta oportunidade para agradecer publicamente ao amigo virtual Leão o muito que me tem ajudado a compreender o funcionamento de muitos aspectos da informática e a praticar actividades que antes me pareciam muito difíceis ou mesmo impossíveis, fora do meu alcance. Algo disso tem sido por mim transmitido a outros que ainda o não compreendiam.
O conhecimento acumulado e não partilhado torna-se árido, improdutivo e acaba por ir connosco para a cova.. Partilhar o que sabemos, os afectos, as experiências, as ferramentas constitui um enriquecimento nosso e da sociedade.
Sócrates de novo
Há 51 minutos
2 comentários:
Meu caro João
Gostei imenso de ler esta opinião acerca do modo de ser dos polinésios.
Felicito-o por tê-la dado a conhecer.
Sabia, por relatos de pessoas amigas que visitaram estas ilhas, tratar-se de um povo bastante hospitaleiro, o que não é exactamente a mesma coisa...
O incrementar do turismo muitas vezes obriga a isso.
Talvez a beleza paradisíaca, o clima ameno, o ambiente tropical dessas terras influenciem a maneira de pensar e estar na vida dessas pessoas.
Seja o que for que os move nesse gosto de partilhar, torna-os um exemplo que deveria ser seguido por todos.
Felizes os que sentem mais prazer em dar do que em receber.
E felizmente que ainda há inúmeras pessoas por esse mundo fora a praticar essa virtude - partilhar.
Beijinhos
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Querida Mariazita,
O que aqui se aponta é mais importante do que dar. O acto de dar já representa o sentimento de posse, enquanto eles cultivam a «não posse», o colectivo, o condomínio, a propriedade comum, o respeito pelo que é da comunidade e que todos usam com o cuidado como se fosse de cada um.
Nós somos demasiado apegados ao que «é nosso» e desprezamos o que é dos outros ou de todos, deita-se lixo na rua, desde as pontas dos cigarros ao maço vazio, as latas de refrigerantes, até as fraldas usadas de bebés.
Partilhar é ali tomado como não se ter o sentido de posse. Alivia o espírito, evita o stress, etc.
Abraço
A. João Soares
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