quinta-feira, 10 de abril de 2008

Militares amordaçados até à hora da morte

Reforma na disciplina militar atinge Eanes

Manuel Carlos Freire

Ex-presidente da República e Loureiro dos Santos visados.

A proposta de revisão do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), feita pelo Ministério da Defesa, alarga aos militares reformados as restrições a que estão sujeitos os do activo.

O documento, a que o DN teve acesso, foi enviado pelo ministro Nuno Severiano Teixeira às chefias e associações de militares dias depois de noticiado que a Força Aérea instaurou um processo disciplinar a um militar reformado. A proposta clarifica expressamente o artigo 5.º do actual RDM, ao alargar aos militares na reserva (fora do serviço) e na reforma as restrições de direitos a que estão sujeitos os militares no activo.

Um dos 13 deveres da proposta de RDM a que esses militares fora do activo passam a estar vinculados é o "de lealdade", cujo cumprimento impõe "não manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio, ideias contrárias à Constituição ou ofensivas dos órgãos de soberania e respectivos titulares, das instituições militares e dos militares em geral ou, por qualquer modo, prejudiciais à boa execução do serviço ou à disciplina das Forças Armadas".

A vingar, a proposta de Nuno Severiano Teixeira vai abranger figuras como o general Ramalho Eanes - um ex-presidente da República e antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas que participou num jantar público de protesto de ex-comandantes do Exército contra o então ministro da Defesa, Paulo Portas -, o general Loureiro dos Santos (ex-chefe do Estado-Maior do Exército que há anos comenta e critica as políticas do sector) ou o deputado socialista e membro da comissão parlamentar de Defesa Marques Júnior (onde questiona directamente o ministro da tutela ou os chefes militares).

"É um duplo disparate", declarou o general Loureiro dos Santos ao DN - "por uma razão essencial" e por "outra formal", explicou. Quanto a esta: o texto "é inconstitucional", pois o artigo 270 da Constituição (restrições ao exercício de direitos) só se aplica aos militares no activo. Esta leitura está sustentada em posições de constitucionalistas como Vital Moreira e Joaquim Gomes Canotilho, os quais sustentam que "estão abrangidos apenas os [militares] que se encontram em serviço efectivo, o que exclui todos os que estejam desligados do serviço por qualquer dos motivos legais (aposentação, reserva, disponibilidade, etc.)".

Quanto à "razão essencial", Loureiro dos Santos dá como exemplo o que sucede na generalidade dos países da NATO: "Quando os militares deixam a efectividade de serviço, servem como válvula de escape para transmitir à opinião pública e aos órgãos políticos as situações de tensão que existem nas Forças Armadas. Se não houver um sistema de escape dessas tensões, quando não há mecanismos exteriores de alerta, elas acumulam-se no interior da instituição militar ou entre esta e os responsáveis políticos. E às vezes rebentam."

Os Estados Unidos da América e a guerra no Iraque oferecem um exemplo actual: "houve generais que passaram à reserva para denunciar publicamente os erros estratégicos que estavam" a ser cometidos pela Administração Bush, afirmou Loureiro dos Santos. "É um erro gravíssimo colocar os militares fora da efectividade de serviço sob a alçada disciplinar", enfatizou o ex-chefe do Estado-Maior do Exército. Observou ainda ao DN, a propósito do que lhe poderá suceder no futuro: "Já não me preocupo muito com isso."

O presidente da comissão parlamentar de Defesa, Miranda Calha (PS), escusou-se a comentar um texto cuja versão final ainda não chegou à Assembleia da República. O deputado António Filipe (PCP) adoptou a mesma posição. Dos restantes deputados que o DN procurou ouvir, apenas João Rebelo (CDS) respondeu: "Se for verdade, há dois problemas: a oportunidade da medida [que coincide com o caso Luís Fraga] e a sua duvidosa constitucionalidade."

NOTA: Têm aparecido por aqui comentários a dizer que estamos em ditadura. Na minha ingenuidade, achava que eram insinuações exageradas, irónicas, maldizentes, uma brincadeira. Mas confesso que estava enganado pois, agora, veio este sinal inequívoco.
Tenho que dar razão ao amigo V.C. pelo que, cautelosamente, diz no comentário que enviou por e-mail.
«Os avanços a que assistimos destes «despudorados» pseudo-democratas no trilho do autoritarismo, do «eu quero, posso e mando», do desdém pelos cidadãos, mormente, pelos cidadãos militares a quem tudo devem e com quem só teriam (e terão) a aprender, constitui razão suficiente para preocupação de toda a nação. É inqualificável a intenção objectivada com a proposta em apreço (ou melhor desapreço). Não sei o que fazer !!!!!!! ou fazer-se !!!!!!»
Querem colocar uma mordaça aos militares reformados, de qualquer idade, mesmo que já nem se lembrem de segredos militares, talvez à imagem de regimes totalitários como o Zimbawe, a Birmânia, a Coreia do Norte, o Iraque de Saddam, a Indonésia de Shukarno… Serão esses os modelos dos nossos governantes, que querem passar por democratas?
Então, pergunto porque essas restrições de liberdades se aplicam apenas aos militares reformados? E porque não a todos os portugueses que cumpriram o serviço militar e que, em muitos casos, tiveram a cesso a matérias classificadas que estavam vedadas a muitos militares profissionais, do QP, por motivo de funções? Enfim, dessa forma, seriam amordaçados todos os portugueses excepto os que não «foram à tropa» por deficiência ou cunha, grupo em que se inserem os actuais políticos, alguns dos quais desertores e objectores de consciência.
Provavelmente, será mais um diploma legal desajustado da realidade para, quando não for ignorado, gerar situações insensatas, anedóticas e ridículas, como aquela que envolve o caso do Sr. coronel Luís Alves de Fraga (ver aqui e aqui). Deve ser a leis deste tipo que o Sr. Presidente da República se referia quando disse que as leis «nem sempre se distinguem pela qualidade (ver aqui), na sessão solene comemorativa do 25º aniversário doTC.

10 comentários:

Mariazita disse...

Caro João
Esta é mais uma prova de que a censura, lenta mas seguramente, vai estendendo as suas garras!

O Sr.Cor. Loureiro dos Santos tem toda a razão, quando refere, na sua "Razão Essencial", a necessidade de "uma válvula de escape".
Ao que parece, estão tentando fechar também essa válvula, correndo o risco de se dar uma explosão.

A continuarmos assim, só nos resta criar em Portugal um Hyde Park, onde qualquer um possa expressar, livremente, e sem medo de represálias, as suas opiniões.

Para onde caminhamos???
Beijinhos
Mariazita
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Anónimo disse...

Com o meu feitio irreverente ninguém me vai calar.
Estamos a entrar numa ditadura que já nem é camuflada!!! Até quando temos de aceitar isto????
Pessoalmente nunca aceitarei!!!! Espero que os demais façam o mesmo!!!
Soares da Cunha

A. João Soares disse...

Amiga Mariazita e amigo Soares da Cunha,
Compreendo a vossa indignação.
Os políticos odeiam os militares porque, pelo seu comportamento ético são termos de referência que não lhes agradam por ficarem sempre mal nas comparações.
Que autoridade moral têm os políticos para fechar a boca aos militares reformados, tendo entre si um oficial como deputado (Marques Júnior) e tendo tido outros como ministros.
Mas os culpados não são apenas os políticos, porque os generais aceitam tudo isto como acto de gratidão para quem os promoveu e os nomeou para os cargos actuais. E os colaboradores directos dos generais esquecem que passarão à reforma e terão de enfiar a rolha na boca.
Nunca tive de me retrair nas apreciações que fiz aquilo que não estava bem. Nunca fui directamente molestado por isso. Irei continuar.
O que pode acontecer a um militar reformado que fale? Deixa de ser promovido? Deixa de ser condecorado ou louvado? Entregam-lhe um papel com uma reprimenda? Proibem-no de sair de casa durante dois dias? Obrigam-no a ir passar um fim de semana ao quartel?
Acho tudo isto muito estranho
Abraços
A. João Soares

Anónimo disse...

Caro João Soares,
Tiram-lhe a dignidade da condição militar, aplicando-lhe a pena máxima de separação de serviço, de tal modo que, até depois de morto perde o direito a usar as capelas mortuárias militares, a bandeira sobre a urna e a salva a que lhe couber à porta do cemitério. Em suma, tiram-lhe a vocação, a alma e o coração.
Como não devo falar, fico-me como anónimo ou
Logo Alto Falarei

A. João Soares disse...

Anónimo,
E os generais, subservientes, obedientes, gratos, atentos e obrigados, concordam com isto, para não perderem as mordomias. Se estas exigências lhes fossem impostas e eles não concordassem, pediriam a demissão das funções. Quantos já tiveram coragem para isso?

Anónimo disse...

Só seremos amordaçados se deixarmos. Por mim falo, ninguém me amordaçará! É HORA de nos levantarmos contra esta forma pouco subtil de nos calarem!!!!
Soares da Cunha

A. João Soares disse...

Caro Soares da Cunha,
Essa deverá ser a posição da maioria, embora haja muitos medricas que não queiram dar a cara.
Tens aqui a posição do Fernando Rezende em termos bem claros:

Amigos:
Protestemos todos, mas todos.
Vamos para a rua, como foram capazes de o fazer os Professores
Levantem-nos processos disciplinares a todos, para que a Vergonha se torne do domínio Público.
Abraço e repassem aos Camaradas das vossas listas.
FRezende

Um abraço
A. João Soares

Carlos Rebola disse...

Caro João
Sou militar na reforma

E penso que os Militares (e outras classes) serão amordaçado(a)s para além da morte.
A mim, só me preocupa uma coisa, como posso evitar um processo disciplinar, por não me pôr em sentido quando passar um almirante ou general perto da minha campa?!...
E com a boca cheiinha de terra como poderei saudar o "anunciaddo" Führer, quando se manifestar?! Decerto não terei mais o almejado "descanso eterno"... porque o de hoje já foi. Ciclo vicioso depois serão as "bichas para audições disciplinares" a exigir alteração do RDM. Entretanto os já fecharam os Hospitais Militares para acabar com as bichas.
É claro que há incumprimento da lei, vê o que veio a lume hoje com os falços recibos verdes, um dos maiores empregadores nesta circunstãncia é o governo... isto está a tornar-se perigoso, principalmente quando quem governa parece estar acima da lei...
Um abraço
Carlos Rebola

Anónimo disse...

Quanto a esta tentativa de calar os comentários dos militares na reforme eu deixo uma dica aos nossos governantes. Para evitar esta grave questão que se levanta seria melhor deixar de haver reformados militares, passando todos à situação de reserva com os respectivos direitos que aqueles não auferem. Em alternativa e já que querem eliminar um direito que haja uma compensação traduzida numa equiparação de vencimentos.

A. João Soares disse...

Já houve equiparação de vencimentos entre militares, juízes e professores.
Ela desapareceu sem a mínima reacção de generais. Quantos se demitiram das funções por esse desrespeito pelas compensações da condição militar?
Defendem que as FA não devem ter sindicatos, por os generais serem os defensores das suas tropas. Mas defendem o quê, além dos seus tachos?
Os juízes e os professores têm lutado pelos seus direitos e o que fazem os militares?. Os seus chefes punem quem passeia na baixa de Lisboa num dia combinado.
Os professores, na sequência de uma magna manifestação em Lisboa vêm agora a ministra a chegar a um entendimento com os representantes sindicais sobre o caso das avaliações.
Quem não manifesta o seu desagrado não leva nada!!! Mas os militares subordinado0s a generais obedientes, bem comportados, ainda não compreenderam isso, e estão proibidos de se manifestarem o que acatam servilmente.
Têm o que merecem.