segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rigor do Banco de Portugal

Oposição quer ouvir o Presidente do Banco de Portugal acerca da crise do BCP, mas para quê? Não lhe faltarão argumentos para apresentar num raciocínio cheio de rigores matemáticos de forma a obnubilar os espíritos dos dialogantes.
Não devemos esquecer a convicção com que há quase três anos previu o défice com um rigor de 6,83%. Não era uma aproximação às unidades ou às décimas, foi mesmo até às centésimas. Achei tão ridículo que escrevi aos jornais a carta a seguir transcrita. E tive razão, porque passadas algumas semanas, apesar daquele rigor veio rever o número, mas com a mesma presunção de repetir a aproximação às centésimas.
Eis a carta publicada em A Capital de 4 de Julho de 2005, página 11

Neurónios a arder

Ao descer a Calçada da Estrela senti um cheiro a queimado intenso, aquele cheiro que provém de neurónios atravessados por corrente muito forte, incompatível com os aconselhados vátios de segurança. Mas o Regimento de Sapadores Bombeiros não aparentava qualquer agitação e, por isso, fiquei intrigado com a origem do cheiro. Vim a saber que os deputados, quase todos avessos à ciência dos números, estavam a consumir os seus débeis cérebros com um número com duas casas decimais que lhes puseram na frente. Era preocupante para os seus fracos conhecimentos da matemática. Não repararam, porém, que se tratava apenas de um número fantasmagarórico, baseado em hipóteses não consolidadas e que apenas servia para alimentar por alguns dias as suas brincadeiras de elevado teor intelectual.

Era, imagine-se, uma previsão ousada, a mais de seis meses, daquele que poderá ser o défice orçamental e atingir 6,83 por cento do PIB. Ora este número resulta de se obter a diferença entre despesa e receita, dividir pelo PIB e multiplicar por cem. Há, portanto, aqui três números a prever: o PIB, as despesas e as receitas referentes ao final do ano. Como não há nenhum sábio que consiga prever com rigor tais números, é estultícia e demagogia apresentar um número com duas casas decimais. Como aqueles três números não podem ser adivinhados, os autores da previsão tiveram de se apoiar em meras hipóteses, o que não suporta o falso rigor da aproximação às centésimas. Outros «adivinhos» poderiam, sem dúvida, apoiar-se em outras hipóteses, mais ou menos diferentes e o resultado, em vez daquele, poderia ser da ordem dos 5, 4 ou até 2. Ou até poderia ser de 7 ou 8, porque não? Só que nenhum desses cálculos confere o rigor das centésimas.

Tal número tão pretensamente rigoroso só serve para os políticos brincarem. Experimente o leitor prever o seu activo daqui a um mês, escreva num papel, meta num envelope para abrir passados trinta dias. Nessa data conte as suas moedas e notas e os depósitos bancários, abra o envelope e compare os dois números. Provavelmente não acertou até aos cêntimos! E repare que foi uma previsão apenas a 30 dias, de valores muito inferiores e mais simples do que os das contas do Estado!

Que os políticos se entretenham a brincar uns com os outros com base nesta ficção centesimal é problema deles, mas não esperem que as pessoas sérias e atentas alinhem com eles.

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