sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Ary dos Santos faleceu há 24 anos

Poeta castrado não!
Ary dos Santos (07Dez1936 - 18Jan1984)

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Transcrito do blog Ad Litteram.

8 comentários:

José Lopes disse...

Ary dos Santos, uma homenagem merecidaescolhendo um poema que bem o caracteriza.
Cumps

A. João Soares disse...

Guardião,
Foi uma boa ideia do meu amigo professor José Amaral, muito atento a datas, homenagem a que me associei, até porque conheci há poucos anos uma irmã deste poeta sensível aos problemas sociais.
Abraço

Pata Negra disse...

Blogger castrado não!
Precisam-se de Arys! Precisam-se de Arys para acordar a malta!
Um abraço Ary, pensador, poeta e sonhador

A. João Soares disse...

Pata Negra,
Se cada um fizer o melhor pelo País, sem puxar demasiado as rédeas para o seu lado, Portugal poderá vir a seu um parceiro condizente com os outros membros da UE. Se não, seremos objecto da caridade dos outros, o que não é muito abonatório dos herdeiros dos heróis seiscentistas, «os nossos egrégios avós».
Abraço

Alma Nova ® disse...

Não há dúvida! Precisa-se de gente "não castrada/que não se deixe castrar", neste mundo onde cada vez mais o comodismo e o umbiguismo são a nota dominante. Gente Castrada Não!

A. João Soares disse...

Parece que todos estamos de acordo, com boas intenções. Mas, na realidade prática, nem todos estão dispostos a ousar! Há um comentador que era habitual nestas páginas que, perante este post, deve estar a chamar-me comuna e muito pior, porque não ousa apontar o dedo ao que está contra os interesses dos cidadãos. Há uns autodenominados de extrema direita que apoiam a reverência aos poderes «legítimos» que moral e eticamente nada têm de positivo. Há pessoas que evitam criticar os abusos das polícias e não compreendem os motivos de alguns cidadãos mais impacientes se insurgirem contra elas.
Bloguista castrado, não.
Abraço

Pena disse...

Estimado e Talentoso Amigo João:
Uma homenagem que faz e, decora com talento, ao grande Ary dos Santos.
Admirável homenagem. Linda. Profunda. Magnífica.
Um gesto sublime de encanto que registo.
Onde quer que ele esteja, agradecer-lhe-á, acredite?
Tem um valor indescritível!
Brilhante o poeta Ary e também digno de assinalar o seu contributo poético musical. Perfeita a intenção digna de registo.
Escreve com delícia e sensatez.
OBRIGADO por ser assim, como é.

Abraço forte de estima e respeito

pena

A. João Soares disse...

Pena,
Agradeço a sua visita e as palavras simpáticas, embora exageradas e desmerecidas.
Abraço