Justiça Social ou vida privada?
Transcrição de artigo
A vida privada segundo Francisco Assis
Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 2010, por. por Pedro Tadeu
Na História da Vida Privada, George Duby afirma que o conceito diz respeito "ao que possuímos de mais precioso, que pertence somente a nós mesmos, que não diz respeito a mais ninguém, que não deve ser divulgado, exposto, pois é muito diferente das aparências que a honra exige guardar em público"... Até Duby se sentiu obrigado, para traçar uma fronteira entre o que é público e o que é privado, a usar um conceito tão maltratado, tão difuso, tão volátil e tão subjectivo como o da "honra"!
Ninguém é capaz - nem a lei o faz - de definir com facilidade o que é vida privada mas é em nome da sua defesa que Francisco Assis, líder parlamentar do PS, impede o debate de uma proposta que pretende tornar públicos os rendimentos dos contribuintes.
A riqueza de um país é um bem finito e a forma como essa riqueza está distribuída (e não a forma como cada um gasta o seu dinheiro, que isso, sim, parece-me indiscutível matéria de foro privado) deveria ser conhecida por todos. Por isso, as declarações de impostos, que a máquina do Estado possui, deveriam ser públicas.
Não se trata de um mero instrumento de combate à corrupção, trata-se de dar acesso generalizado a uma avaliação objectiva da existência, ou não, de justiça social - o cimento da construção do edifício democrático - e de aumentar a pressão sobre o poder para corrigir as distorções que existem.
Mas uma proposta dessas está condenada ao fracasso. Porquê?
- Porque há administradores de empresas em crise a levar para casa 50 ou 60 mil euros por mês.
- Porque há políticos profissionais a cobrar 25 mil euros mensais nos seus escritórios de advogados.
- Porque há directores de jornais com salários de 10 ou 15 mil euros.
- Porque há cronistas ou comentadores de TV a receber neste universo de remunerações, ditado por supostas tendências do mercado de trabalho que, afinal, ninguém conhece.
Esta gente, que lidera as ideias do País, nunca quererá revelar os seus rendimentos, nunca escreverá em defesa desta ideia. Eles têm êxito, mas também têm má consciência. E há ainda muito pavão, pelintra, com vergonha do seu fracasso financeiro, a querer escondê-lo da opinião pública.
Para uns e para outros essa informação afecta, como diz George Duby, como pensa Francisco Assis, "a honra" e, por isso, deverá ficar secreta... Só que isso não é honra, é hipocrisia.
Vivemos num país onde a maioria dos empregados ganha menos de mil euros por mês. Isto sim é uma desonra para Portugal... Defesa da vida privada, o tanas!
Fotografia da Internet
quarta-feira, 3 de março de 2010
Justiça Social ou vida privada?
Publicada por A. João Soares à(s) 16:49
Etiquetas: justiça social
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12 comentários:
Depois de publicar este post recebi por e-mail um recorte da notícia da TSF em que a Cáritas relembra que 18% da população portuguesa é pobre.
Por isso os tais que evitam dar a conhecer a origem da sua riqueza, têm má consciência e usam de hipocrisia, como diz o artigo.
Cumprimentos
João
Caro A. João Soares,
Efectivamente, quem não tem nada a temer não deve ter nenhum tipo de problema em revelar o montante dos seus rendimentos bem como a sua origem, contudo, julgo não ser um princípio aceitável por variadas razões, que sejam públicos como regra.
Terá que ser a Lei a definir quando, como e em que circunstâncias acontecerá a derrogação do princípio da não divulgação pública, como aliás acontece no nosso ordenamento jurídico, e título de exemplo, com os detentores de cargos públicos/políticos. O problema é que mesmo sendo obrigatória, é muitas vezes incumprida e que se saiba, sem que isso signifique alguma sanção significativa.
Concordo, haver alguma hipocrisia, principalmente da parte de quem tem algo a esconder contudo, tornar como princípio geral o da publicidade dos rendimentos, numa sociedade como a nossa, onde se atropelam direitos de privacidade com a maior das facilidades, parece-me algo perigoso.
Necessário será agilizar os processos de acesso a esses rendimentos e à sua verificação por parte das entidades, a quem a Lei atribui tais poderes.
Claro que, quando tudo é colocado em questão, como acontece hoje em dia por cá, com as Instituições a serem escrutinadas diariamente, para se saber se estão ou não instrumentalizadas, tudo passa a ser objecto das maiores dúvidas e quando assim é poderá ter-e a tentação de limitar direitos ao máximo.
Cumprimentos,
ALG
Caro ALG,
as suas paçavras, assentes no saber de um jurista fazem-me pensar no post As peias do legalismo. As leis são, ou deviam ser, regras indispensáveis para melhorarem a harmonia entre as pessoas, para estas serem mais felizes e terem um melhor relacionamento entre si, com mais confiança.
Porém, nunca se deve esquecer que a lei é uma artificialidade de que os poderosos se servem e abusam para proveito próprio. Em vez de apoiarem os valores morais e éticos, esquecem estes e criam uma dualidade entre o legalismo e a vida das pessoas. A lei deixou de ser indispensável para ser saturante ao serviço dos poderosos que as fabricam à medida de interesses ocultos.
Daí que a denominada privacidade seja alegada para as más consciências, criminosas e ocultas, usando de hipocrisia mais abusarem dos indefesos.
Recebi por e-mail este texto de um correspondente que se identifica por «Mentiroso» mas que diz verdades incontestáveis:
Leis feitas por corruptos para se protegerem e poderem praticar todos os crimes impunemente. Desigualdade dos cidadãos perante a justiça. Não precisamos duma lupa para vermos o que, há muito, se passa e agora se comprova.
O segredo de justiça é outra invenção dos legisladores corruptos, que sob o pretexto da protecção da privacidade e do bom nome dos investigados os encobre. Se o segredo é necessário à investigação, para lá desse ponto é uma obstrução à justiça e encobre simultaneamente a corrupção política e a corrupção e incapacidade da justiça.
Os partidos estão cheios de corruptos e de ladrões. Para se ser um «bom» político é necessário aprender marketing político, ser trapaceiro, embusteiro, vigarista, burlão e quase sempre e na maioria dos casos um advogado falhado. Os partidos escolhem corruptos e justiçados e outros com culpas que eles conhecem, mas que colocam em lugares que poderão ser eleitos para cargos de alta responsabilidade: simplesmente, a corrupção dos governantes é fruto directo da corrupção que grassa pelos partidos.
Neste sentido, transcreve-se um artigo do Prof. Saldanha Sanches, publicado no Expresso de 27-2-2010.
Escutar o primeiro-ministro
(Segue no próximo comentário por ter extensão superior ao máximo permitido)
Caro ALG, desculpe a extensão deste texto. Mas é muito estimulante para se reflectir sobre o tema.
Abraço
João
Caro ALG,
Continuação do comentário anterior
Escutar o primeiro-ministro
(Segue no próximo comentário por ter extensão superior ao máximo permitido»em comentário
A TRANQUILIDADE com que o legislador previu um regime especial para as escutas ao primeiro-ministro era de muito mau agouro. Parecia prever que seria normal ter primeiros-ministros que iriam estar, mais tarde ou mais cedo, embrulhados nas malhas de uma qualquer escuta.
O pior é que acertou. Mas se perguntarmos quem é que deve escutar o primeiro-ministro a resposta só pode ser uma: ninguém.
Se chegamos ao ponto em que os amigos mais próximos do primeiro se envolvem em crapulosos casos de polícia levando a que sejam escutados e arrastando para a rede do controlo judicial altas figuras do Estado, então, tudo está perdido.
Dir-se-á que em Portugal vigora a separação de poderes e o princípio da igualdade perante a lei. Que nada impede que o primeiro-ministro seja investigado como qualquer cidadão.
Mas tudo isso são tretas. O sistema não suporta, sem danos sérios, esse tipo de investigação.
Quando um magistrado tem de começar a pensar se uma decisão sua não irá provocar uma crise política, se essa crise política vai ou não pôr em risco o crédito da República, se haverá alguém que o possa substituir, então vamos ter uma má decisão.
“Hard cases made bad law”. E casos como estes são de uma dificuldade infinita, quando colocam na esfera judicial decisões inteiramente políticas.
Solução?
Os partidos têm de ter vergonha e ter cuidado com quem colocam nos postos cimeiros.
Não temos ainda em Portugal o sistema de vetting ou de investigação para quem vai assumir altos cargos. Mas nos partidos políticos sabe-se tudo de toda a gente. De onde se veio e o que é que se fez. Que esqueletos é que podem sair dos armários.
Ao que parece estamos tão mal que coisas que em tempos normais seriam impeditivas já não o são. Mas se assim é não venham depois queixar-se das consequências.
Nem esperem que a justiça vá resolver bem esses casos. Por excesso ou por defeito ela vai exibir todas as suas fraquezas.
A justiça pode servir perfeitamente para meter na cadeia um ou outro presidente da câmara particularmente relapso (geralmente, nem isso consegue), mas não para decidir quem vai ficar em S. Bento. Está para além das suas forças (mesmo, se por qualquer milagre, ela conseguisse ser muito melhor que o sistema político que a criou) esse tipo de decisões que, na verdade, não lhe podem caber. Por mais que se diga que a Constituição prevê, garante ou determina.
Se não, olhemos para a Itália: escorraçados os Craxis, entram os Berlusconis. A impotência da justiça cria o descrédito da política e da justiça.
A solução está por isso antes da justiça e dentro dos partidos: quem nos vão propor, quem é que vamos escolher. Quando os aparelhos partidários estão tão apodrecidos que já não conseguem distinguir entre quem podem e quem não podem colocar em certos lugares, não há regime legal de escutas que nos valha.
-
NB: O silêncio conivente e envergonhado de Manuel Alegre a respeito da Face Oculta é de uma grande eloquência. Ficamos a saber qual é o PS cujo apoio ele pretende.
Por J.L. Saldanha Sanches
Este e outros artigos também publicados nos blogs do autor (1 e 2).
Pode encontrar em
http://pulseiraeletronica.blogspot.com/2010/03/podridao-dos-politicos-e-dos-partidos.html
Caro ALG, desculpe a extensão deste texto. Mas é muito estimulante para se reflectir sobre o tema.
Abraço
João
Caro A. João Soares,
Em primeiro lugar, agradeço a atenção da sua resposta, sendo que a mesma suscita, com as questões que dela emergem, daria seguramente para o início de um debate de ideias deveras interessante, dada a amplitude de temas nela incluídos.
Sobre o texto do (meu)Professor Saldanha Sanches (SS), já o tinha analisado aquando da sua publicação, e simplificando digo que concordo com a maioria das afirmações proferidas, ficando contudo, como acontece quase sempre perante as ideias de SS, uma grande dúvida, que é o que fazer então?
O problema da Justiça, como afirmei no meu primeiro post, é o da sua instrumentalização por parte dos outros poderes, dando origem a um descrédito total e, a limite, a uma subversão do próprio estado e direito, e basta esta instrumentalização para se concluir como SS, de que a justiça está condicionada quando encontra no seu caminho um alto responsável político. Parece-me não haver dúvidas que assim acontece, aliás, não precisa de estar muito por cima na hierarquia, como vamos percepcionando, com a consequente manifestação do sentimento de duas Justiças: uma para os "poderosos" e outra para os restantes.
Quando assim acontece, estamos em maus lençóis, pois o bem Segurança Jurídica, essencial para funcionamento da Democracia deixa de ser o seu próprio garante, permitindo a utilização da Lei e dos seu instrumentos em sentido amplo, para proveito próprio. Surgem assim as abjectas alterações a leis essenciais, elaboradas a pedido e com a capacidade de "previsão" Da sua aplicação, e não...não há coincidências.
Constatando este estado de coisas, pouco falta, para a falência total desta democracia formal que temos por cá e a alternância de partidos no poder, com já constatámos (trinta e seis anos não são suficientes!), não resolve rigorosamente nada, pelo que urge encontrar outras alternativas, é esta a questão!
Cumprimentos,
ALG
Caro ALG,
Por norma respondo a todo o comentário sério que contribua para uma visão mais completa do tema abordado.
Este seu comentário merece profunda reflexão.
Quanto à forma como termina este comentário, parece que, como todas as grandes mudanças de regime, a alternativa só pode ser obtida com violência, o que devia ser evitado. Mas parece que não poderá ser possível realizar a transição «pacificamente. As realidades, mesmo as nacionais, mostram que os resultados alteram pequenos pormenores, mas nascem com outros defeitos e, em geral, o povo que devia ser o beneficiado fica pior em quase todos os aspectos. Quem beneficia são sempre os mesmos os detentores do poder económico e financeiro que se rodeia de outros políticos corruptos que lhes aparam o jogo e estruturam um novo regime que lhes é favorável. O povo é sempre o mexilhão, o pião das nicas.
Em campanha eleitoral, tudo é pintado com cores atraentes geradoras de esperança e de optimismo, mas tudo é esquecido depois do fecho das urnas. As leis feitas pelo poder dá cobertura a todas as imunidades e impunidades, sempre em prejuízo do povo que á cada vez mais controlado, mais vigiado, mais condicionado e mais sacrificado para manter a matilha de lobos sempre esfomeados.
Um abraço
João
Caro A. João Soares,
Completamente de acordo com que explana na sua análise ao que expus e que certamente daria lugar a um aprofundamento das vária questões suscitadas, mas que se tornam difíceis neste formato de comentário/resposta.
Relativamente à questão da solução passar por uma qualquer forma envolvendo violência, esclareço que não a defendo ,contudo não a posso deixar colocar como possível!
E, não a defendo, porque quero acreditar que (ainda) existe uma solução para a transição para uma nova forma de "regime", a da intervenção cívica, com movimentos de cidadãos independentes dos aparelhos e das agendas partidárias. É tempo de repensar e sobretudo começar a agir, sob pena de não existir alternativa e surgir a transição violenta (e desta vez sem cravos)para o que me parece ser uma situação de bloqueio a que chegámos.
Atente-se, nas medidas previstas na Grécia para contenção das contas públicas (redução dos subsídios e 30% e 60% aos funcionários públicos) e imagine-se esse mesmo cenário aplicado a Portugal, o que acontecerá? Pacifico não será certamente e sem querer comparar exaustivamente a situação, entre os dois Países, não me parece um cenário assim tão diferente.
Finalizando, tenho a convicção que o tempo das constatações se está a esgotar atento a País real, onde se vive cada vez pior, com mais dificuldades e onde a realidade difícil de muitos, não pode continuar a ser confundida com a imagem virtual que uns "iluminados" pretendem passar, porque é isso mesmo, virtual!
Cumprimentos
ALG
Os exemplos deviam aprtir de cima, mas de lá só chegam maus exemplos. O desperdício de dinheiros públicos não está nos salários dos funcionários públicos e as poupanças ou receitas podem vir de outros lados que nunca vêm à baila.
A banca que mesmo em crise apresenta lucros chorudos tem bene fícios fiscais, porquê? Alguém sabe quais os juros que pagam os bancos? E os que cobra?
As mais-valias são taxadas? Porquê?
Nos paíse do norte da Europa as pensões mais elevadas têm um limite, por cá não, mas nisso não se pode mexer. Também não se podem acumular pensões, mas por cá pode-se, desde que se tenha passado pela política ou por empresas públicas.
Como é que se pode encarar com bonomia os congelamentos de salários, ou mais limitações às aposentações?
Abraço do Zé
Caros ALG e Zé Povinho,
Os vossos comentários merecem o meu aplauso. Só é pena e é incompreensível que os governantes não se apercebam do estado em que isto se encontra da injustiça social que afecta a maioria dos portugueses, para uns quantos continuarem a viver escandalosamente bem.
Abraços
João
Caro João,
Vou postar na Tulha um artigo sobre os Parlamentares Norueguese que foca exactamente a necessidade de se conhecer os seus proventos para serem credíveis e se evitar a corrupção! Por cá é tudo ao contrário e as respostas que foram dadas confirmam a ideia desses Parlamentares.
Um abraço amigo.
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