No post Avaliação do desempenho citei sete professores do liceu que marcaram a minha adolescência e a minha conduta na vida, sendo um deles o professor de História Joel Serrão, a cuja memória presto uma sentida homenagem e apresento respeitosas condolências a sua família.
Na concretização dos meus sentimentos transcrevo o artigo do Público
Historiador Joel Serrão morreu aos 88 anos
Autor do “Dicionário de História de Portugal”
O historiador Joel Serrão, 88 anos, faleceu ontem à noite em Santana (arredores de Sesimbra). Foi autor de dezenas de títulos de história, nomeadamente o “Dicionário de História de Portugal”.
O corpo do historiador, vítima de doença prolongada, vai hoje para a Igreja de Santo Condestável, em Lisboa, e o funeral sairá amanhã às 10h00 para o Cemitério dos Olivais, onde será cremado, disse a mesma fonte.
A vasta obra publicada de Joel Serrão abrange particularmente as áreas da história económica e sócio-cultural. O historiador Fernando Rosas, também dirigente do Bloco de Esquerda, qualificou-o hoje como “um grande mestre” e “um pioneiro da História contemporânea”.
“Era um grande especialista do século XIX. A sua obra sobre aquele período é uma bibliografia incontornável", disse Fernando Rosas à Lusa. Joel Serrão foi seu orientador de mestrado e doutoramento e Rosas recorda-o como “um grande professor e um grande mestre".
A sua obra constitui, com a de outros seus contemporâneos, a primeira aproximação às correntes historiográficas europeias do pós-guerra, sobretudo aos “Annales”, revista francesa de história económica e social fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre, segundo uma nota bibliográfica da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas.
Entre os títulos de Joel Serrão encontram-se monografias históricas de cunho económico ou sócio-cultural, edições críticas, temas literários, estudos de personalidades fulcrais na evolução das ideias e da cultura (Cesário Verde, Sampaio Bruno, António Nobre, Fernando Pessoa, Antero de Quental, Vieira de Almeida, António Sérgio) e volumes de iniciação às disciplinas filosóficas.
O investigador de literatura portuguesa Vítor Aguiar e Silva disse por seu lado que Joel Serrão “teve um papel muito importante na cultura portuguesa como historiador, sobretudo dos séculos XIX e XX, e também numa área de estudos muito pouco cultivada em Portugal, a da sociologia da cultura e sociologia da literatura”.
“Teve uma grande visão nesta temática, sem tomar uma posição dogmática”, salientou ainda. Por outro lado, destacou que o historiador “foi um grande especialista de Cesário Verde, inclusivamente como editor, e teve um papel relevante na Gulbenkian”, onde esteve no conselho de administração.
Nascido no Funchal, Joel Serrão licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. De 1948 a 1972, exerceu o magistério liceal em Viseu, no Funchal, em Setúbal e em Lisboa.
Foi professor na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e dirigiu o Centro de Estudos de História do Atlântico (Madeira), foi membro do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian e foi também professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
sexta-feira, 7 de março de 2008
Homenagem a um grande mestre
Publicada por A. João Soares à(s) 11:23
Etiquetas: Joel Serrão, mestre, professor
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2 comentários:
Este texto foi colocado por um anónimo em post de Junho, por lapso, e transferi-o para aqui, onde faz sentido. Agradeço-o.
JOEL SERRÃO
[Funchal/Madeira, 1919]
Historiador e ensaísta de vasta e multifacetada bibliografia. A sua obra constitui, com a de outros seus contemporâneos, a primeira aproximação às correntes historiográficas europeias do pós-guerra, sobretudo aos Annales, revista francesa de história económica e social fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre. Natural da freguesia de Santo António do Funchal, aí conclui o curso liceal. Saiu da Madeira para ingressar na Universidade, licenciando-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. De 1948 a 1972, exerceu o magistério liceal em Viseu, no Funchal, em Setúbal e no Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Exerceu funções docentes na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Director do Centro de Estudos de História do Atlântico (Madeira), foi membro do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian e exerceu funções docentes na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A sua obra abrange monografias históricas de cunho económico ou sócio-cultural, edições críticas, temas literários, estudos de personalidades fulcrais na evolução das ideias e da cultura (Cesário Verde, Sampaio Bruno, António Nobre, Fernando Pessoa, Antero de Quental, Vieira de Almeida, António Sérgio) e volumes de iniciação às disciplinas filosóficas. Investigador com uma linguagem vigorosa e fluente, de rara fecundidade, a que se alia um posicionamento cívico interveniente, Joel Serrão faz parte de uma plêiade de intelectuais que, na esteira de António Sérgio, mais contribuíram para a elaboração de uma visão de conjunto, da qual ressaltam os problemas fundamentais para a compreensão das raízes da nossa história moderna. Da sua enorme produção, considera-se o Dicionário de História de Portugal, elaborado ao longo de dez anos, um dos marcos da historiografia portuguesa deste século. Também de grande importância no conjunto da obra de Joel Serrão é a Nova História da Expansão Portuguesa, cuja direcção partilha com A. H. de Oliveira Marques, num plano geral de onze volumes, com três volumes já editados (1986-1993). Obra de extremo rigor e minúcia de investigação, liberta dos condicionalismos do passado inerentes à historiografia da expansão e colonização portuguesa.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997
Para alargar a visão desta personalidade notável, transcrevo esta artigo do DN de hoje:
Um incansável trabalhador
http://dn.sapo.pt/2008/03/11/opiniao/um_incansavel_trabalhador.html
Mário Soares
Morreu, na quinta feira passada, depois de longa doença, Joel Serrão. Professor, historiador do século XIX, sociólogo, intelectual e grande conhecedor da literatura portuguesa, Joel Serrão foi, acima de tudo, um incansável trabalhador das letras, um homem probo e bom. Foi também sempre um anti-salazarista, aberto às ideias novas e com uma consciência crítica muito aguda, na linha de António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Proença e dos "seareiros", da revista republicana de esquerda Seara Nova.
Conheci Joel Serrão quando entrei, aos 17 anos, no ano lectivo de 1941/42, na Faculdade de Letras de Lisboa (para Histórico-Filosóficas), estaria ele a um ou dois anos de acabar o curso na mesma faculdade. Dirigia então, com Rui Grácio, de quem fui também muito amigo, um pequeno jornal, de que fui assinante e de que conservo ainda alguns números, Horizonte.
Joel, nascido na Madeira, era um jovem sorridente, afável, jovial e sempre apressado por causa do que tinha a fazer. Suponho que dava explicações a alunos liceais para se manter a estudar. Destacou-se, no entanto, como aluno brilhante, estudioso e superiormente dotado. Mas dadas as suas ideias e as suas companhias, o activo grupo antifascista, como se dizia então, da Faculdade de Letras, em plena guerra mundial e quando o seu desenlace ainda era duvidoso, nem sequer lhe passava pela cabeça, creio eu, vir a ser professor da faculdade. Nessa época, o regime estava ultrafechado e as Universidades (de Lisboa, Coimbra e Porto, as únicas que existiam), sujeitas a vigilância constante e a depurações frequentes. Logo no meu primeiro ano foi demitido, com grande escândalo dos alunos, Vitorino Magalhães Godinho - para nós uma referência e um grande professor - e, apesar dos nossos protestos, teve de arranjar uma bolsa em França, onde foi acolhido de braços abertos pelo grupo dos Annales, criado pelos grandes historiadores e resistentes Marc Bloch e Lucien Febvre, dirigido então por Fernand Braudel.
Depois de terminarmos a vida universitária - e eu terei sido dos últimos a fazê-lo, por causa das sucessivas prisões pela PIDE - chegámos a criar, com a ajuda do Instituto Francês, em Lisboa, um grupo de jovens investigadores de história em que participaram, além dos já atrás citados, Joel Serrão e Rui Grácio, Jorge de Macedo, Barradas de Carvalho, Margarida Brandão, entre alguns outros.
Joel Serrão deixou uma obra considerável, que foi escrevendo, com rara lucidez e informação, nos intervalos da sua absorvente actividade de professor liceal e de explicador. Entre outras, cito de memória: Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues; O Carácter Social da Revolução de 1383; Em torno da Economia Madeirense; Para a História do Século XIX Português; Sampaio Bruno. O Homem e o Pensamento; Liberalismo, Socialismo, Republicanismo - Antologia do Pensamento Político Português; Portugueses Somos; Do Sebastianismo ao Socialismo em Portugal; Fontes de Demografia Portuguesa; Antero e a Ruína do Seu Programa (1871-1875); Temas de Cultura Portuguesa, dois vols.; Da Regeneração à República; Temas Oitocentistas, dois vols.; Cesário Verde; O Primeiro Fradique Mendes. Além disso, coordenou o importantíssimo Dicionário de História de Portugal, quatro vols., de que tive a honra de ser colaborador, que seria há alguns anos continuado por António Barreto e Filomena Mónica, e ainda duas Antologias Filosóficas, para uso escolar.
Durante anos a fio foi professor liceal - um excelente pedagogo, por sinal - que marcou muitas centenas de alunos. Sem deixar de estar presente em jornais e revistas de cultura. Só depois do 25 de Abril foi, finalmente, professor universitário. Num período delicado que atravessou a Fundação Gulbenkian e que coincidiu com o PREC, foi escolhido e nomeado, justissimamente, administrador da referida fundação, onde prestou relevantíssimos serviços.
Joel Serrão foi toda a sua longa vida um professor exemplar, um homem de enorme cultura, que sempre teimou em a pôr ao serviço dos outros, desinteressadamente. Fez muitos amigos com o seu espírito dialogante e conciliador e foi sempre uma pessoa por todos respeitada e admirada. Um grande intelectual e um grande português.
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