Uma opinião interessante sobre o concurso da RTP1, recebida por e-mail
Há diversas ironias em tudo isto. A primeira é que Salazar, pela primeira vez, ganhou uma eleição sem chapeladas. Pelo telefone, é certo, mas sem chapeladas
A escolha de Salazar como a nossa principal figura histórica tem valido, valha-nos isso, belíssimas conversas.
Dessas conversas pude concluir um fenómeno muito interessante: a direita conservadora, mais velha, que respeitava Salazar, não votou ou não votaria em Salazar.
Não porque não tenha guardado respeito por ele, mas porque nos seus quadros de referência as grandes figuras da História portuguesa são outras e são intocáveis.
Foi esta a herança de Salazar.
A educação recebida no seu tempo exaltava os feitos das nossas grandes figuras. Havia uma galeria de verdadeiros heróis, associados, em geral, aos Descobrimentos.
De algum modo, neste concurso, para a direita conservadora, Salazar derrotaria Salazar. A educação recebida antes do 25 de Abril dava tal dimensão e nitidez aos nossos heróis que seria impensável pôr outros no seu lugar, incluindo o próprio Salazar.
Um salazarista desinteressado, por respeito a Salazar, votaria em D. João II ou no Infante D. Henrique e não em Salazar.
A par desta percepção, que colhi de uma geração mais velha, surpreendeu-me e derrotou-me a ignorância dos mais novos, não só relativamente a Salazar mas sobretudo relativamente às grandes figuras de nossa História.
Cheguei a ouvir, nestes dias, de uma licenciada, “não sei bem o que fez o Infante D. Henrique”.
O ensino da nossa História conduz a esta pobreza: nem o jovem recolhe informação mínima sobre as personagens marcantes da História do nosso país, nem é conduzido, pela investigação e pelo entusiasmo, a seleccionar, ao longo da sua aprendizagem, os verdadeiros méritos históricos de cada uma delas.
Há diversas ironias em tudo isto.
A primeira é que Salazar, pela primeira vez, ganhou uma eleição sem chapeladas. Pelo telefone, é certo, mas sem chapeladas.
A segunda é que Salazar não teria votado em Salazar. Pela educação que nos transmitiu, a História de Portugal tinha uma hierarquia e no topo, inacessíveis, estavam os únicos portugueses que, verdadeiramente, influenciaram a História Universal: a geração das Descobertas.
Finalmente, Salazar deve estar desesperado. É certo que deixou o país com mais de 30% de analfabetos, mas da sua herança fazia parte aquela clareza sobre os verdadeiros heróis nacionais.
Clareza essa instrumental, aliás, de uma ideia de grandeza sobre a missão e a presença de Portugal no mundo.
Este concurso, desfocando a nossa História, arrasou aquela ideia grande sobre Portugal. Imagino o seu desespero.
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