Reproduzo este texto por ser oportuno quanto ao tema e quanto á data.
Sim, escolher Pina Moura é uma pouca-vergonha
João Miguel Tavares, jornalista, Diário de Notícias d 24 d Abril de 2007
Receita tipicamente portuguesa: agarra-se num molho de amigalhaços que contribuíram para a chegada do partido ao poder, escolhem-se os mais viçosos e polvilha-se com eles os conselhos de administração das empresas públicas. Serve-se a frio, custa a engolir, mas pelo menos estamos habituados ao sabor. Ao que não estamos habituados é a esta variante espanhola da receita, que até já dispensa os tachos públicos para compor o refugado, tal é a vontade de favorecer quem manda na cozinha. Quando são as empresas privadas, de livre e espontânea vontade, a entregar os seus jobs aos boys dos outros, algo está podre no reino de Portugal.
A escolha de Pina Moura para presidir à Media Capital, a convite da Prisa, é uma das mais preocupantes notícias dos últimos tempos. Ao pé disto, a telenovela em redor da licenciatura de José Sócrates é apenas programação infantil. O ex-ministro do defunto Governo do pio Guterres, conhecido como o "cardeal" pela forma como se movia nos corredores do poder, e que pouco depois de ter saído do Executivo saltou para a liderança de uma das empresas que mais favoreceu enquanto governante - a espanhola Iberdrola -, vai agora tomar conta da televisão mais vista do País. Tenham medo. Muito medo.
Porque uma coisa é ser cardeal de corredores. Outra é ter à sua disposição uma igreja para pregar, frequentada por milhões - sobretudo quando a missa que nos quer oferecer não interessa nem ao menino Jesus. E é tal o seu desplante que até foi para o Expresso admitir que "o convite tem um pressuposto ideológico". Já se desconfiava, pois não são conhecidas a Pina Moura competências técnicas para gerir uma empresa de media. Aliás, como ele próprio admitiu, mal conhece o canal que se prepara para liderar.
Poder-se-ia supor - hipótese académica colocada pela mais ingénua das almas - que a nomeação de Pina Moura se devia à sua finíssima inteligência. Mas até nisso a entrevista ao Expresso é mortal: ninguém razoavelmente inteligente admitiria a existência de um "pressuposto ideológico", coisa honesta mas muito burra. Quando se fala em "pressuposto ideológico" - ou seja, na escolha de um homem do PS para liderar a TVI -, das duas uma: ou a Prisa quer levar o mais belo socialismo para a estação, distribuindo os lucros pelos trabalhadores e nunca mais explorando os estagiários; ou então quer doutrinar a redacção sobre as maravilhas do Governo socialista. E eu aposto que a exploração dos estagiários vai continuar.
Amiguinho da Prisa e da Iberdrola, amado por Sócrates e pelos espanhóis, Pina Moura quer armar-se no nosso novo Miguel de Vasconcelos. Tal como o outro, defenestrá-lo seria fazer um enorme serviço à pátria.
NOTA: Este artigo é, realmente, muito oportuno. Numa data festiva em que são muito propalados os ideais de Abril, vale a pena analisar a contradição ostensiva entre a propaganda da Liberdade de opinião, de expressão, de opinião e da Comunicação Social e, por outro lado, a realidade publicamente conhecida. O artigo evidencia a apetência dos governantes pelo domínio e controlo dos veículos da informação, desde os jornais, à rádio e à televisão, como demonstra este caso.
É um fato que em cada político se desenvolve um vírus específico gerador de ditadores: ambição desmedida pelo poder, abuso deste em benefício próprio, dos familiares, dos amigos e do partido, confusão entre interesses nacionais e interesses partidários, entre estratégia coerente e decisões casuísticas e improvisadas, arrogância, obsessão da verdade absoluta e única, teimosia irracional, etc. A apetência pela liberdade condicionada e pelo controlo da Comunicação vai muito além das medidas do regime extinto há 33 anos, isto é do «Estado Novo«, da União Nacional, da «Legião Portuguesa», da Pide, etc. Os políticos têm memória curta (até esquecem as promessas que fazem!) e não se lembram das razões que conduziram ao 25 de Abril e que agora papagueiam sem as compreender. Nessa altura, apesar de todos os controlos e cerceamentos da liberdade, houve ao Revolução dos cravos. Agora com controlos semelhantes, também poderá haver... E parece que está a tornar-se necessária uma revolução para cumprir os ideais de Abril.
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