segunda-feira, 6 de abril de 2009

A crise actual e a economia

Transcrição do artigo do professor João César das Neves, publicado no Diário de Notícias de hoje, que apresenta os conceitos de dois economistas de grande projecção mundial, da mesma época, sendo um deles mais orientado para o fervilhar e as flutuações do ciclo económico as quais, para não originarem crises graves, devem ser objecto de adequadas precauções.

O economista do momento

O mundo está em crise financeira, começando grave recessão produtiva. As teorias económicas podem ser úteis na busca de uma resposta. Então qual é o pensador que mais influência tem no momento?

Os jornais não parecem ter hesitações, e o nome do britânico John Maynard Keynes (1883-1946) aparece a cada passo. A escolha não é má. Keynes foi, sem dúvida, um dos maiores génios que trabalharam na ciência. Os seus resultados no estudo do colapso económico dos anos 1930 relançaram a investigação e hoje trazem-nos pistas preciosas para lidar com este choque. A melhor defesa face à presente derrocada financeira vem do que aprendemos com a Grande Depressão, aprendizagem que Keynes elaborou e resumiu de forma brilhante.

Mas a razão por que muitos periódicos, mesmo especializados, escolheram o britânico vem de um mal-entendido. Ouviram falar de uma velha polémica, onde um dos lados se chamava "keynesiano", e esperam novos episódios dessa controvérsia ou a proclamação emotiva de vencedores e vencidos. Aí estão redondamente enganados.

O confronto teórico foi real, mas acabou há muito. Como de costume na ciência, todos ganharam porque se avançou para um estádio superior. As ideias dos discípulos de Keynes e dos seus adversários estão há décadas integradas numa nova síntese. Já foi a 31 de Dezembro de 1965 (há mais de 43 anos!!) que a revista americana Time intitulou o seu artigo de capa com as palavras de Milton Friedman (1912-2006), líder da escola oposta: "Somos todos keynesianos!"

Aliás, uma das coisas mais notáveis nesta crise é a falta de conflito intelectual. Para lá de debates de pormenor, a grande maioria dos economistas tem estado de acordo quanto à estratégia a seguir. Pode chamar-se a essa linha um keynesianismo monetarista, expressão que seria paradoxal nos anos 1960, mas que hoje integra intuições dos dois lados.

Não haverá então um economista que mereça maior destaque nesta altura? O austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), nascido, como Keynes, no ano da morte de um outro génio, o alemão Karl Marx (1818-1883), teve em 1911, na sua Teoria do Desenvolvimento Económico, uma intuição decisiva.

Como explicou depois: "A economia capitalista não é, nem pode ser, estacionária. Nem se está a expandir meramente de forma estável. Está a ser incessantemente revolucionada por dentro por novas iniciativas, i.e., pela intromissão de novos bens ou novos métodos de produção ou novas oportunidades comerciais na estrutura industrial que existe em qualquer momento. Quaisquer estruturas existentes e todas as condições de fazer negócio estão sempre num processo de mudança. Qualquer situação está a ser perturbada antes de ter tido tempo de se resolver a si própria. Progresso económico, numa sociedade capitalista, significa tumulto" (Capitalismo, Socialismo e Democracia [1942] p.31-2).

Este é o processo de "destruição criativa" que, na visão revolucionária de Schumpeter, cria o desenvolvimento económico. Desta dinâmica de tumulto sai também a explicação de múltiplos outros elementos, incluindo o ciclo económico. As flutuações são o resultado inevitável daquele mesmo fervilhar que impulsiona o progresso.

Quem olhar com atenção para a actual crise vê imediatamente que ela resulta de notáveis inovações financeiras, que virão a ajudar muito a humanidade, sobretudo no combate à pobreza. Mas que, aplicadas inicialmente sem cuidado, suscitaram o pânico e a queda. Subprime, titularização, dispersão do risco, etc., serão mais eficazes na luta contra a miséria que o microcrédito, ele mesmo uma inovação financeira. Mas precisamos das cautelas que desta vez se esqueceram.

Talvez o contributo mais importante de Schumpeter esteja na afirmação que as crises são naturais e inevitáveis. Os políticos e os jornais acreditam num desenvolvimento sem soluços, numa economia sem quedas. O modelo do austríaco revela como o custo do tumulto faz parte do benefício. Isso traz-nos humildade e realismo, que são preciosos quer na euforia quer no desânimo. Afinal, não há almoços grátis./span>

3 comentários:

Luis disse...

Caro João,
Gostaria de poder comentar mas não me sinto com capacidade para o fazer. No entanto, sempre direi que ainda não li nada sobre este assunto que me tenha convencido. É matéria muito difícil de comtrolar e as experiências que tenho visto fazerem não têm resultado. Continuo esperando que alguém encontre uma melhor solução para esta crise que se tem vindo a arrastar há já longos anos e que atingiu agora o seu auge.

Anónimo disse...

João César das Neves esquece uma diferença fundamental na sociedade de hoje comparativamente há 50 anos atrás: a informação.
Vivemos numa época onde a informação corre em tempo real. Que significa isto para a economia e para gestão? As cotações bolsistas de qualquer país são acompanhadas ao segundo, as ordens de compra e venda idem, um crédito é aprovado ou recusado na hora, um balancete é visualizado a qualquer momento graças aos softwares de gestão, num segundo estamos em comunicação com uma filial no outro lado do globo, etc... Isto resulta numa sobrecarga de dados para os gestores que os impede de tomar decisões ponderadas e sustentadas, como aconselham Jack Welch (ex-presidente da General Electric) ou o Prof. Minzberg. Há 100 anos uma empresa definia os seus objectivos anualmente, pois demorava-se algum tempo até concluir o exercício do ano em curso. Depois começámos a elaborar objectivos ao semestre, já era possível uma gestão comercial semestral, hoje o mais normal é trimestralmente. Mas há empresas e não são poucas, que definem os seus objectivos mensalmente e mesmo semanalmente! Isto é uma loucura e vai contra tudo aquilo que o Pai da Gestão - Peter Drucker - nos ensinou: uma organização que queira criar uma base sólida, logo duradoura, deve ter uma visão e objectivos de longo prazo, sob pena do seu crescimento não ser sustentável. Mais recentemente o prof. Mintzberg provou que foi a obsessão norte-americana pela produtividade, que conduziu erradamente à maximização do lucro e à falácia do valor accionista, que provocou a crise do sub-prime.
Quem trabalha no sector privado, principalmente em grandes empresas, concordará comigo que o departamento que recebe mais atenções da administração é sempre o comercial. Pelo exposto anteriormente está claro que é um erro, que a empresa pode pagar caro no futuro.

A. João Soares disse...

Caro A.P.
Do texto do Prof João César das Neves e do seu parece poder tirar-se uma conclusão: As previsões de longo prazo, os objectivos estratégicos não podem ser rígidos e cegamente seguidos, devendo ser apenas linhas gerais a ajustar frequentemente.
Um gestor de empresa ou de um Estado não deve agarrar-se obsessivamente a regras fixas, a objectivos pré-fixados.
E é essa atenção permanente e essa capacidade de adaptação às circunstâncias que deve ser aperfeiçoada, sempre com a preocupação de não comprometer um futuro aceitável. A falta de cuidado com a ambição exagerada de lucros originou a actual crise. Os governos deviam ter controlado para evitar o pior, mas mesmo esse controlo não pode obedecer a normas rígidas, o que torna difícil criar uma legislação adequada.
Cada vez é mais difícil gerir uma grande empresa, como diz, e o mesmo se passa à escala Estado.
Abraço
João Soares