A verdade de Pinho
Sérgio de Andrade, Jornalista, JN, 070206
Fui acordado pelo rádio-despertador e até julguei que continuava a dormir. Porque, entre atónito e revoltado, ouvi que o ministro da Economia se dirigira a uma assembleia de empreendedores chineses e os convidara a investir em Portugal, alegando que somos razoavelmente qualificados nisto e naquilo e ainda por cima baratinhos.
Usando a imaginação, vi Manuel Pinho a piscar o olho aos chineses e a frisar-lhes este pormenor muito longe de ser uma glória nacional - ou seja, que os nossos salários são mais baixos do que a média da União Europeia. E mais ainda que a pressão para a sua subida é muito menor do que, até, nos países de alargamento.
A minha imaginação continuou à desfilada. Vi os chineses olharem uns para os outros e comentarem "O homem deve estar maluco! Vem dizer-nos que os portugueses trabalham baratinho e não sabe que as multinacionais nos pagam uma média de 16 contos mensais por 70 horas de trabalho semanal?! Isto é o mesmo que tentar vender a areia da Caparica à Arábia Saudita ou o turismo às ilhas Seicheles" (mas aqui já estou a usar o comentário corrosivo de um deputado do CDS/PP...).
Sucede que, entretanto, a "gaffe" de o ministro da Economia ir para o estrangeiro lavar roupa suja nacional levantou semelhante onda de indignação em Portugal que neste momento me apetece mais defendê-lo do que atacá-lo. Piedosa intenção na qual sou aliás secundado pelo primeiro-ministro, que já veio a público acusar-nos de - fora ele, primeiro-ministro - ninguém ter percebido nada do que verdadeiramente o ministro quis dizer.
De resto, e calmamente, vejamos disse Manuel Pinho alguma mentira? Infelizmente, não disse, disse a verdade. Pena é que tenha ido assumir essa verdade para a China e, entre nós, não tenha a coragem (ele, ou qualquer outro governante) de, com frequência q. b., assumir que "Sois uns desgraçados, ganhais abaixo da média da União Europeia e ainda por cima pressionais menos a subida do vosso nível de vida do que a Lituânia ou a Roménia. Face a isso, o que mereceis, portugueses?".
Responderia eu que merecemos um ministro da Economia como Manuel Pinho, não tivesse vindo, felizmente, o eng.º Sócrates demonstrar que o problema não é dele, ministro, é nosso, pobres infelizes incapazes de descodificar discursos ministeriais.
Sérgio de Andrade escreve no JN, semanalmente, às terças-feiras.
NOTA: Será que o primeiro-ministro não tem ninguém mais capaz e sensato para colocar no lugar deste?
El País
Há 1 hora
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