Transcrição de artigo de opinião seguida de NOTA:
Os entusiasmos alvares
Jornal de Negócios.06 Dezembro 2013, 10:33 por Baptista Bastos | b.bastos@netcabo.pt
A dívida ou as dívidas ficaram em suspenso, quer dizer: a render juros, aliás, vultosos, que os Governos que se seguem a este terão de pagar. O júbilo de Marques Mendes é caricato por excessivo e tolo.
Com esfuziante entusiasmo, o dr. Luís Marques Mendes proclamou, na SIC, que o Governo obtivera uma vantagem importante, e não, apenas, "uma vitória moral." A que se referia, com tanta exaltação, o solerte comentador? Ao facto de o Executivo ter conseguido transferir, para os anos de 2017, uma dívida de 2.477 milhões; e, para 2018, outros 4.165 milhões, que venciam, respectivamente, em 2014 e em 2015. Para além de, rigorosamente, não se saber a quem devemos, por que devemos, e como ficámos a dever, a transferência de datas vai aumentar, substancialmente, os ágios, e acrescentar, às nossas angústias quotidianas, outras angústias suplementares.
A dívida, ou as dívidas ficaram em suspenso, quer dizer: a render juros, aliás, vultosos, que os Governos que se seguem a este terão de pagar. O júbilo de Marques Mendes é caricato por excessivo e tolo. Quem ficou um pouco aliviado dos usurários que nos estão a rilhar na carne e a roer os ossos, foi, claramente, Passos Coelho e os seus que tais. Os outros que se tramem. Tudo isto se derrete numa pouca vergonha indomável. Os grandes e autênticos interesses do País são espezinhados em defesa de estratégias partidárias. Nada adquirimos com esta transferência de dívida: quem ganha são os bancos que emprestam a Portugal, os países que estão por detrás desses bancos e, obscuramente, o FMI e o Banco Central. Seria útil e proveitoso descascar as camadas de pele da cebola (para citar a metáfora contida num livro de Günter Grass) e revelar, à puridade, o que se esconde nesta artimanha. Alguém está a ganhar, e muitos estão ou estarão a perder.
Num e noutro caso, vamos não só acentuando a nossa vil dependência como aumentando a nossa irremediável pobreza. Esta gente que está no Governo nada nos diz acerca dessas manigâncias e dispõe de serventuários preparados para cometer todas as piores infâmias para servir o amo.
A transferência das datas de pagamento de uma "dívida" que parece interminável merecia um tratamento jornalístico e político mais claro e elucidativo. Marques Mendes esteve a aplaudir quê? O refrigério momentâneo de um Executivo ou a salgalhada em que, obviamente, espera um outro? E, no fundo, quem vai pagar esta manobra sombria, sem nada que justifique aplausos e júbilos. Um outro cavalheiro, ao que parece do Governo, e cujo nome ignoro e quero ignorar por decência mental, apareceu nas televisões, impante e risonho, a falar na mesma "vitória" que tanto entusiasmou Marques Mendes.
Devo dizer que a modesta estima que tinha por este homem está a desvanecer-se rapidamente. Pareceu-me, inicialmente, que cultivava uma certa "independência" intelectual, o que quer que a expressão queira dizer. Uns arremedos de crítica, umas informações que contrariavam o noticiário vulgar surgiam-me como boas características. Cedo, porém, verifiquei que o comentador da SIC era, apenas, engraçado e envolvia na sua "graça" os recados e os apoios que desejava prestar. As televisões estão cheias desta gente, mascarada de "independente". Desde o Marcelo, ao pobre dr. Sarmento, passando por este Mendes, para não falar de outros, ainda mais medíocres e menos relevantes, as televisões estão pejadas de alvissareiros mascarados de comentadores. E todos, claro, com poucas ideias de seu, e muito da voz do dono.
Falta-nos quem esclareça os lados tenebrosos da política e os enredos de muitos negócios, como este, agora, dos Estaleiros de Viana do Castelo. José Sócrates veio animar um pouco as hostes. Pelo menos é uma nota dissonante no coro de subserviências que se escuta. Claro que voltarei ao assunto, sobretudo agora em que a confusão parece instalada, e um senhorito de voz grossa e gramática fininha faz figura de gente. Até lá.
NOTA:
Não se pode fugir a dar concordância ao ponto de vista do autor, como ponto de partida para reflexão serena e atenta. Mas fica a preocupação com o nosso futuro na próxima meia dúzia de anos. è que ao compromisso de pagamento das dívidas adiadas pelo Governo de Passos, vai acrescentar-se a dívida e os défices dos anos que vão decorrendo, porque não foi iniciada uma eficaz reforma do Estado de que resultasse uma máquina administrativa mais simples e eficiente, com menos sanguessugas a mamar na teta pública, com a corrupção reduzida a zero, com a penalização do enriquecimento ilícito e das negociatas e do tráfico de influências.
Essa máquina administrativa resultante de uma racional Reforma do Estado devia contemplar a redução da quantidade de assessores ao mínimo indispensável, com salário moralmente limitado, acabar com subvenções vitalícias aos ex-governantes e pensões fora do esquema geral nacional e terminar com o secretismo das benesses dos políticos e reduzir a burocracia ao mínimo, porque ela é a principal origem da corrupção. Enfim, uma cuidada e rigorosa utilização do dinheiro dos contribuintes. E, em coerência com a tão propalada transparência democrática tornar transparentes os actos da governação e da administração pública e os respectivos custos que sobrecarregam os contribuintes.
Os políticos devem assumir-se como mandatários do povo que os elegeu e consequente explicação daquilo que fazem, que deve ser para bem dos cidadãos.
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