Transcreve-se o editorial do Diário de Notícias de hoje por apresentar uma análise isenta e desapaixonada do fracasso do «Compromisso de Salvação Nacional» devido a posições inconciliáveis, sem viabilidade de cedências que permitissem consenso entre a coligação e o PS.
Uma boa ideia condenada ao fracasso
Um compromisso de salvação nacional era uma boa ideia e até uma necessidade urgente para o País. Mas estava, pelo timing e pelas condições em que foi proposto, condenado ao fracasso. O pacto proposto pelo Presidente da República entre PSD, PS e CDS falhou - e não tinha maneira de ter tido sucesso - porque há duas visões inconciliáveis sobre o rumo que Portugal deve seguir.
PSD e CDS-PP, os partidos da maioria do Governo, continuam a defender, mesmo depois da deserção de Vítor Gaspar do Ministério das Finanças, que o caminho que têm sido seguido é para manter. Que a linha de austeridade acertada com a troika pode ter pequenas nuances, pode até ser aliviada, mas tem de ser cumprida e aplicada no seu essencial.
Já o PS sempre defendeu uma inversão de política, a renegociação com os nossos credores, e uma aposta efetiva no crescimento económico.
Ora se conciliar estas duas linhas já era praticamente impossível, juntar-lhe o problema concreto do corte de 4,7 mil milhões de euros, com que o Governo em funções já se comprometeu e que o PS disse sempre que não aceitava, tornava o acordo absolutamente impraticável. Um consenso sobre o âmbito de cortes desta amplitude, que já por si só é uma tarefa inglória, não se faz de um momento para o outro, nem se acerta numa semana.
Assim, o que ontem o PS comunicou em primeira mão, marcando assim o seu terreno, foi anunciar o que já era esperado. O ponto final da ronda de nove negociações que acabou numa mão cheia de nada. Ser António José Seguro o primeiro a dar a Cavaco Silva a resposta ao repto presidencial e a fazer o anúncio do rompimento das negociações tem claramente significado. Seguro continua a fazer o seu caminho do ponto de vista político: uniu o PS em seu redor e ganhou espaço à esquerda. Mas falta-lhe explicar o essencial das propostas concretas que fez questão de enunciar ao País: de onde vem o dinheiro para a sua concretização.
Em resumo, esta não era a altura para um acordo sobre a necessária reforma do Estado. Mas o País precisa dela. E haverá um momento em que esse consenso terá de ser feito: sem pactos sobre dívida, défice e despesa, Portugal não consegue seguir em frente.
E agora? Tendo falhado esta proposta de Cavaco Silva e tendo ele já reafirmado que não estimulará nenhum governo de sua iniciativa dentro do que a Constituição lhe permite, ou seja, pedindo um novo executivo à maioria, sobra muito pouco. Apesar de as últimas semanas terem sido férteis em surpresas, não parece possível que o Presidente opte por outra solução que não a de devolver todas as decisões à Assembleia da República que, como também já reafirmou, é a única instituição com legitimidade para decidir.
A maioria PSD/CDS do Parlamento apresentar-lhe-á assim o Governo que já acordou (com novos poderes para o CDS e novos ministros) e que Cavaco terá de aceitar porque não se vislumbra outra alternativa. Vinte dias depois da demissões de Vítor Gaspar e 19 depois da de Paulo Portas, voltamos assim à estaca zero, ao ponto de partida.
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