segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O imobilismo na política nacional


Transcrição de artigo:

O imobilismo
Sol. 21 de Janeiro, 2013por José António Saraiva jas@sol.pt

Defendo há muito tempo que Portugal precisa de um ‘choque vital’. E esse choque vital passa pela redução drástica da despesa do Estado, de modo a libertar dinheiro para a economia.

O Estado gasta muito dinheiro de forma não reprodutiva, e isso tem contribuído para asfixiar o crescimento económico.

Sucede que só um partido está hoje empenhado nesse objectivo: o PSD.

Porque, desde a sua fundação por Francisco Sá Carneiro, é um partido de matriz liberal (e não social-democrata, como muitas vezes erradamente se diz), com ligações à classe empresarial e com vocação empreendedora.

Todos os outros partidos não querem a mudança.

Uns por razões ideológicas, outros por razões oportunistas.

Os partidos de esquerda, que durante muitos anos foram progressistas, estão hoje numa posição defensiva, pois o seu papel é defenderem com unhas e dentes as ‘conquistas dos trabalhadores’, obtidas depois do 25 de Abril e nos anos de vacas gordas.

É esta essencialmente a posição do PCP, mas também a do BE.

O caso do PS é diferente.

O PS é um partido do funcionalismo público e da pequena burguesia urbana, e a sua matriz é estruturalmente conservadora.

Não é um partido de grandes mudanças.

António Guterres e sobretudo José Sócrates tentaram transformar um pouco essa vocação, apontando num sentido mais liberal, mas não tiveram grande sucesso.

E a passagem do PS para a oposição levou-o a adoptar uma atitude de resistência activa às reformas, criando problemas por tudo e por nada, e acabando por não se distinguir muito do PCP e do BE.

Resta o CDS. O CDS tem uma posição diversa da da esquerda, até porque está no Governo, mas – não nos esqueçamos – é um partido ideologicamente conservador.

Não está vocacionado para fazer reformas.

É por isso que, perante a obrigatoriedade imposta pela troika de mudar muita coisa, os centristas se mostram de dia para dia mais incomodados.

Paulo Portas tornou-se um verdadeiro contorcionista, colando-se hoje ao Presidente da República, demarcando-se amanhã do ministro das Finanças mas não querendo romper com ele, sendo forçado a ter uma atitude em S. Bento, outra no Caldas e outra ainda na rua.

A divulgação do relatório do FMI sobre a reforma do Estado veio pôr a nu o conservadorismo ou a falta de coragem da esmagadora maioria do país.

A quase totalidade das forças políticas e sociais, e das figuras públicas, reagiu como se o relatório tivesse peçonha.

‘Não me associem a isso!’ – foi a reacção quase generalizada.

Ninguém quis ficar ligado àquelas propostas.

Apenas uma pessoa, Carlos Moedas, teve a coragem de dizer que o relatório estava «bem feito» e merecia ser discutido.

As outras pessoas e instituições demarcaram-se dele ou atacaram Moedas, numa tentativa de desviarem as atenções e não discutirem a questão de fundo.

Disse-se que o relatório era «precipitado», que vinha «tarde de mais», que tinha «números desactualizados», sempre com o mesmo objectivo: fugir à discussão sobre a reforma do Estado.

Acontece que, por muito que se fuja ao tema, o problema está lá.

E o problema é este: o Estado não pode continuar a gastar o que gasta.

Pensemos apenas no seguinte: o défice público, por força dos compromissos com a troika, tem de continuar a baixar; ora, não podendo os impostos subir mais (e não havendo muito mais ‘anéis’, como a EDP ou a ANA, para vender), resta-nos reduzir a despesa. Não há como fugir daqui.

Mas a única força política que hoje assume esta necessidade é o PSD.

Todas as outras fogem com o rabo à seringa – não só a tomar medidas, mas mesmo a discutir as medidas.

Como fazer então? Acho que não vai ser possível fazer nada – e que esta questão pode muito bem levar ao fim do Governo.

Vamos cair num impasse: por um lado há que reformar o Estado, mas por outro há uma grande maioria contra essa reforma.

Registe-se:

O PCP está contra.

O BE está contra.

A CGTP está contra.

O PS está contra.

A UGT, quando as medidas apertarem, estará contra.

O CDS vai tentar empatar.

E, last but not least, uma boa parte do PSD também está contra. Não falo apenas de Manuela Ferreira Leite ou António Capucho – falo de todos os candidatos do PSD às autarquias que, com medo de perderem as eleições, vão estar na primeira linha das críticas ao Governo (veja-se o lamentável ataque de Carlos Carreiras a Carlos Moedas).

Ora, como será possível reformar o Estado com uma esmagadora maioria do país contra?

A reforma do Estado não irá pois fazer-se – e esse fracasso (e correspondente pressão política e financeira) poderá provocar a queda do Executivo.

No meio disto, só não percebo o contentamento de muitas pessoas de esquerda.

Elas não entendem que, se o Governo cair, a esquerda ficará com a batata a escaldar nas mãos (uma batata ainda mais quente do que hoje, pois os mercados voltarão a ‘atacar- nos’)?

Se o Governo cair, o que fará a esquerda?

Aumentará ainda mais os impostos?

Reduzirá brutalmente os encargos do Estado, fazendo aquilo que hoje nem quer discutir?

Não fará uma coisa nem outra e correrá com a troika daqui para fora?

E a seguir, quando os cofres se esvaziarem, dirá que a situação deixada pela direita era tão má, tão má, tão má, que não é possível pagar aos funcionários públicos?

Este quadro de terror não é tão longínquo quanto se pensa.

Imagem do semanário SOL

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