segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

A HUMANIDADE SERÁ VÍTIMA DA AMBIÇÃO DE ALGUNS

(Public em DIABO nº 2397 de 09-12-2022, pág 16, por António João Soares)

O problema não é novo mas está a ser exageradamente empolado. Recordo a história da carraça na orelha do velhote que o médico da aldeia aproveitou para obter o dinheiro para poder pagar os estudos do filho que se formou em medicina. Já é um caso muito antigo mas hoje está muito agravado. Há muitos medicamentos a serem substituídos não por terem sido ineficazes, mas por serem muito eficientes, curando rapidamente doenças e estas, agora, constituem um bom elemento para o rendimento de médicos, farmacêuticos e outros profissionais da saúde. O objectivo destes é a manutenção do cliente e, para não o perderem, ele deve manter-se doente, embora com sintomas controlados.

Contaram-me um caso e pediram-me que mantivesse em segredo o relator. Este senhor foi chamado para a entrevista uns dias antes do seu internamento num lar de idosos e uma das tarefas que lhe apresentaram foi o encontro com o médico que olhou atentamente para a documentação sobre o seu estado de saúde. Ele não se queixava de doenças e a razão do seu internamento foi apenas para evitar a solidão, por ter uma família muito reduzida e com pouca facilidade para lhe dar o necessário apoio: a filha demasiado zelosa pela sua profissão e pelo tratamento da casa para a qual não tinha empregada e de que se ocupava activamente nos fins de semana, e dois filhos já casados e com filhos, a viverem no estrangeiro distante com boas profissões que os absorvem totalmente e em que procuram ser eficazes, não se preocupam com o seu velhote.

O médico, ao ver uma análise ao sangue e urina feita há pouco tempo, disse ao cliente que, quando entrasse para o lar, devia ir falar com ele para renovar as análises e fazer outras a fim de ele as observar cuidadosamente, para detectar qualquer pequena deficiência e receitar a medicação adequada, pois sem isso a sua actividade corria o risco de despedimento por desnecessária. Pensou que ele estivesse a exagerar, mas depois verificou que muitos dos internados «comiam» perto de uma dezena de medicamentos a cada refeição. E um dia o relactor da história, ao fazer o controlo semanal da pressão arterial, inspirou de forma ruidosa o que foi interpretado pela funcionária como sintoma de gripe e recomendou a ida ao médico, tendo ela própria pedido a consulta. O médico, ao vê-lo, não lhe fez perguntas nem teve conversa e começou a escrever e no computador saindo, a seguir, da impressora da funcionária sua secretária seis idas a exames e consultas com diversos especialistas.

O cliente, no dia seguinte, foi almoçar com um grupo de amigos em que se encontrava um médico e perguntou a este se o doente é obrigado a obedecer às ordens de um médico. Ele respondeu: «que ordens? Um médico não dá ordens, apenas dá sugestões, conselhos, receita, etc. que o cliente só segue se concordar. Mesmo o hospital só actua se o doente concordar, por vezes por escrito».

Li, há tempos, a opinião de um médico que não quis identificar-se, que hoje as doenças são todas crónicas porque os médicos não querem perder o cliente, isto é, não querem que deixe de ser doente, ou evitando que, se possível, faleça ou não se cure. Todo o serviço de saúde colabora neste esquema e deixa de haver medicamentos que curam definitivamente e que apenas tornam os sintomas menos agudos. Todas as doenças passam a ser crónicas! E, assim, se mantêm sempre activos médicos e farmacêuticos.

O médico deixou de desejar ver no cliente uma pessoa que viva sempre com saúde mas sim um cliente que continue a consumir medicamentos, enfim uma ferramenta para aumentar o seu activo.

Seria bom que o SNS mentalizasse os seus profissionais para respeitarem os clientes tratando-os com sensibilidade, humanidade, dignidade e carinho por forma a terem calma para suportar o sofrimento, principalmente os mais graves e os idosos.    

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