sábado, 30 de maio de 2020

PREPARAR O COMBATE A REINCIDÊNCIA DO VÍRUS

Preparar o combate a reincidência do vírus
(Public em O DIABO nº 2265 de 29-05-2020, pág. 16).Por A João Soares)

Agora que está em curso o desconfinamento, sem agravamento da fúria do vírus, e está também a ser manifestado o receio de que ele volte a atacar, recordo a experiência das invasões francesas às quais a maior resistência foi concretizada nas Linhas de Torres, onde estou a residir e onde costuma haver algumas cerimónias de recordação de actos valentes de oposição às suas tentativas de avanço para Lisboa. A estratégia é a obtenção de objectivos para além dos actuais, sendo estes apenas etapas intermédias. Os franceses contornaram o forte de Almeida bem guarnecido e seguiram o vale do Mondego até ao Bussaco, que estava defendido por forte dispositivo, e seguiram para Lisboa pelo Oeste. Aqui, já estava uma força, apoiada por forças britânicas, disposta a tudo para impedir o avanço. Desde Alverca ao mar a linha estava bem instalada e bem preparada nas serras. A povoação de Matacães deve o seu nome à forma como tratava os “cães” que por ali apareciam, sob pretexto de pedirem alimentação, para procurar caminho para os invasores atravessarem a linha militar e chegarem a Lisboa.

Agora, perante o risco de o Covid regressar com mais força, é preciso pensar em termos de estratégia, preparando a prevenção e, se necessário, o ataque. Tudo deve ser feito em benefício das pessoas, da sua saúde e com o mínimo prejuízo para a economia. Se o desconfinamento não está a originar notáveis melhorias nas estatísticas, talvez seja porque o confinamento estava com restrições excessivas, o que exige analisar bem o que se passou em resultado do pânico inicial, para se planear com lógica, sensatez e eficiência a forma de combater a reincidência.

Sobre a pandemia iniciada no primeiro trimestre, há um caso de muita sensatez e bons resultados: a região de Kerala, na Índia, conseguiu um número de casos confirmados e detectados estranhamente baixo, cerca de um quarto do sucedido no resto do País. E isso é atribuído “à sua ministra da Saúde e Bem Estar Social, K. K. Shailaja, também conhecida como ‘professora’, ‘serial killer’ do coronavírus ou ‘rockstar’”. Segundo ela disse ao jornal britânico The Guardian, três dias depois de ler sobre o novo vírus na China e antes de surgir no estado de Kerala o primeiro caso confirmado de Covid-19, a ministra da Saúde convocou uma reunião com uma “equipa de resposta rápida”. No dia seguinte, foi criado uma espécie de “gabinete de controlo” em cada uma das 14 regiões deste estado indiano. A sua estratégia consistiu em “testar, rastrear, isolar e apoiar”.

“A quem chegava de Wuhan, o protocolo era o seguinte: aqueles que tinham febre eram isolados num hospital próximo, os que não tinham entravam em quarentena obrigatória domiciliária”. As medidas desta Senhora resultam da atenção com que meditou sobre um surto viral que ocorreu na Índia em 2018 chamado Nipah. Foi este surto que preparou Shailaja e o Estado de Kerala para esta nova pandemia, diz a ministra — foi aí, disse mesmo, que percebeu que “uma doença altamente contagiosa para a qual não existe vacina ou tratamento deve ser mesmo levada a sério”.

Isto também me leva a pensar que se deve aprender a cada momento e evitar tomar decisões levianas, por impulso ou capricho. Por exemplo, porque se obriga todas as pessoas a ficar em casa? Porque se impede de dar um pequeno passeio nas proximidades de sua casa ao homem que, pouco tempo depois, pode sair a passear o seu cão? Porque se impede a movimentação de pessoas e os grupos de mais de 10 pessoas e se autoriza o 1º de Maio e a festa do avante, com pessoas vindas de longas distâncias?

Ao tomar medidas contra o covid-19 ou a sua reincidência, convém também atender às palavras do Presidente da Alemanha quando apela a todos para que tentem «não ignorar» os factos que obrigaram à imposição de «restrições temporárias» de movimentos e rejeitem «teorias desfasadas da realidade». E defendeu que a discussão deve ser baseada em «factos e números» e «utilizar a razão» para ultrapassar a crise sanitária. ■

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