Compadrio discutível
(Publicado no DIABO nº 2203 de 22-03-2019)
Numa época em que as pessoas começam, desde jovens, a viver isoladas com os seus telemóveis, já considerados uma “droga que retira a visão e a audição”, há, em muitos casos, o recurso instintivo ao compadrio ou amiguismo, não para melhorar a inovação e a produtividade, mas para ocultar carências e deficiências e impedir a maior degradação da imagem. O resultado raramente é positivo.
Em ano de eleições, os partidos, segundo o sistema eleitoral vigente, têm de fazer listas de candidatos para o que seria lógico, racional, escolher pessoas sérias, com boa formação moral, dedicadas aos interesses nacionais, isto é, ao crescimento da economia para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, com visão estratégica que permitisse o melhor aproveitamento das oportunidades oferecidas pela vivência internacional, com vista a um futuro risonho com possibilidades de sustentabilidade, etc. Mas em vez de tal critério, agarram-se aos amigos, cúmplices e coniventes com quem têm trocado favores e constroem uma lista de amigalhaços e familiares que deixarão que as coisas fluam sem sobressaltos na continuidade do “deixa andar” anterior e com o perigo de uma eventual inovação ser um desastre a emendar com rapidez. Há dois casos históricos, a pretendida construção de um aeroporto internacional na Ota e a mudança do Infarmed de Lisboa para o Porto.
E temos visto nas remodelações do Governo o crescente recurso a familiares, talvez por pessoas válidas se terem recusado a fazer parte de uma equipa em que não confiem. Mas o mais preocupante é que isso não se passa apenas entre políticos, com fraca capacidade intelectual, como se diz, mas surgiu a questão de nas nossas universidades, os reitores e docentes aplicarem critério semelhante na “escolha” de novos mestres para a continuidade do ensino. Segundo João Pedro George, referindo o livro “Cientistas Portugueses”, do bioquímico David Marçal, o recrutamento de doutorados para cargos permanentes de docência na Instituição que lhes atribuiu o diploma de doutoramento está a ser demasiado usado, o que, entre outros aspectos, prejudica a produtividade científica. Isto reduz o ímpeto dos docentes para se dedicarem à investigação e à produção de conhecimento científico original, reduzindo a produção de artigos científicos e de obra publicada.
Há que proporcionar diferentes modos de pensar, alargar os horizontes intelectuais minimizar o conformismo e a submissão à ortodoxia do discurso institucional, criando condições para promover a criatividade científica, o espírito crítico e a liberdade de pensamento.
Tenho na família exemplos de que, nos EUA, não há esse compadrio e é estimulada a liberdade e a partilha de aquisição de saber. Dois irmãos doutorados lá, candidataram-se à carreira de docentes mas encontraram a obrigação tradicional de iniciarem as suas funções em universidade estrangeira, durante dois anos. Um escolheu Itália o outro optou pelo Canadá, depois ficaram a ter a obrigação de mudar de universidade a cada dois anos até serem catedráticos.
Um já tem cátedra. O outro, depois de algumas mudanças, desistiu para não dificultar a vida da esposa, médica imagiologista e directora de serviço no hospital local, e dos filhos que estavam bem integrados no colégio que frequentavam e onde tinham boas relações de convívio com colegas e professores. Essa alteração de carreira não o prejudicou e tem melhores condições de vida do que o irmão catedrático.
A vida é feita de mudanças e devemos evitar a cristalização, o imobilismo e o sedentarismo a fim de promover a criatividade científica, o espírito crítico, a liberdade de pensamento e a integração em redes de investigação nacionais e internacionais. A evolução da ciência não pode estar confinada às quatro paredes de uma escola. ■
António João Soares
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