quarta-feira, 4 de março de 2009

Silêncio, medo e unanimismo no PS

Transcreve-se este artigo de opinião por constituir uma análise imparcial e feita com honestidade o que a torna merecedora de reflexão, sem perder de vista que o autor se encontra na área do PS. São de destacar a descrição do funcionamento do Congresso e as referências a Vital Moreira e a Manuel Alegre.

Socialismo do nada de novo
Baptista-Bastos, Escritor e jornalista

O chamado congresso do PS não foi carne, nem peixe, nem arenque vermelho. E José Sócrates age como um sedativo e é presa da sua própria ansiedade. Os habituais comentadores do habitual reagiram como habitualmente: em flagrante delito de incompreensão. Também, pouco havia para compreender: les jeux sont faits e Sócrates preparou a apoteose com a minúcia e a frieza de um jogador de póquer. Mas ele não desconhece que o chinfrim é só fumaça, e que o retumbante resultado de quase cem por cento, nas "directas", não representa nenhuma vantagem definitiva.

A rudeza do combate já se adivinha. Como ele não falou para o exterior, como nada disse depois de muito falar, como demonstrou um silencioso desprezo pelos males gerais da sociedade - este político medíocre, que tem alta ideia de si próprio, retoma-a, para uma plateia de ombros caídos e lugubremente submissa. Porém, aquela plateia não é o País, nem sequer expressiva do PS. Tenham lá paciência e haja Freud!

Vital Moreira, troféu de última hora, não me parece capaz de conquistar um só voto. A Esquerda olha-o de viés; ele é um abjurante do comunismo e os comunistas nunca perdoam a quem abandona as suas fileiras, reclamando-se de uma hipotética "independência". E a Direita, muito naturalmente, olha para o catedrático como um adventício suspeitoso. Vital, um pouco imprudentemente, presumiu fazer graça com esta tosca confissão: "Sou um socialista free-lancer." Quer dizer: socialista intermitente. Nessa doce intermitência não deixou de escrever eloquentes hossanas a Sócrates e enérgicos artigos laudatórios à acção governamental.

Enquanto o curioso sinédrio foi transformado em divertida cerimónia, a ausência de Manuel Alegre (e de João Cravinho, não o esqueçamos) pesou como um remorso mal emendado. Alegre pode abusar do seu senso teatral, mas não é uma personagem patética. Há algo de genuíno neste homem de desafios, que podem ser interpretados como vacuidades, mas reflectem o carácter de um político. Nunca como agora ele levou o enfrentamento tão longe. Adivinhava-se tudo: desde a expulsão sucinta até à punição estatutária.

Porém, Alegre possui um poder que conduz os dirigentes socialistas a tratar do seu "caso" com pinças e com uma prudência a que ninguém ousa subir o registo de voz. A unanimidade no silêncio corresponde à unanimidade em torno de José Sócrates. E em ambas reside qualquer coisa de farsa, de expectativa desconfortável e de receio recíproco. Alegre e o PS são duas personagens que dormem na mesma cama, incomodadas pelas ruínas dos mesmos sonhos, que se amam e se detestam - mas não conseguem viver uma sem a outra.

4 comentários:

José Lopes disse...

O ar dentro do PS não é propício ao debate de ideias nem à discussão do que quer que seja, e só muito poucos se atrevem a denunciar a situação, porque aos outros falta-lhes peso e coragem.
Cumps

A. João Soares disse...

Caro Gaurdião,
Por isso podemos que quem se mete com os poderosos do PS leva, mesmo que seja do PS. E que é preciso malhar em todos os que não aplaudirem os do Poder dentro do partido. Medo, silêncio e aplauso, unânime... se não..Um abraçoi
João Soares

Carlos Rebola disse...

Amigo A. João Soares

Estou aqui a pensar nas voltas que a politica dá.
Veja, quanto o PS criticou o PCP de Cunhal, por ser o partido das unanimidades onde não havia confronto ou debate de ideias diversas da do secretário-geral, criticavam o PCP por ser totalitário que não tolerava militantes com liberdade de opinião (Carlos Brito, Vital Moreira, Zita Seabra). Hoje o PS de Sócrates é o que criticava no PCP de Cunhal, de unanimidades, que não tolera as opiniões diversas do secretário-geral e convive mal com militantes que exercem a liberdade de opinião, (Manuel Alegre, João Cravinho, Maria Sousa Franco). Estamos perante um partido com evidentes tendências ditatoriais…

Um abraço
Carlos Rebola

A. João Soares disse...

Caro Carlos Rebola,
Perderam-se valores éticos, morais, sociais. O único valor respeitado é o dinheiro ou a aparência dele. O poder é a droga mais poderosa e que vicia sem remédio. Com esta mistura de condimentos temos os partidos com apetência para se perpetuarem nas cadeiras que dão tudo o que mais desejam.
O dito congresso do partido que apoia o Governo, não se debruçou, nem sequer ligeiramente, sobre os reais problemas que amedrontam os portugueses. Apenas brincou sobre as tricas interpartidárias para conquistar votos dos mais incautos. Nada foi dito sobre linhas estratégicas para sair da crise e evitar uma outra que poderá vir a seguir.
A verdadeira DEMOCRACIA exige total transparência, exige que se saiba o que fazem os nossos representantes escolhidos por nós em voto secreto. Os governantes devem aparecer na TV para nos informarem sobre o que se está a passar e não com promessas falsas que depois esquecem e nunca serão cumpridas.
Se o Governo mostra ignorar as soluções para os problemas dos portugueses, pergunta-se para que quer a maioria absoluta??? O que pretende fazer com ela a favor dos portugueses mais desprotegidos?
A tentação totalitária está bem à vista, mesmo na amizade com o mais recente ditador «democrático» hugo Chávez. Já há quem tema que, dentro de poucos anos, Sócrates, se entretanto não for para a UE ou para a ONU, faça um referendo semelhante ao da Venezuela que iniciou a ditadura, por via «democrática»!!!
O tempo dirá qual será a profundidade do buraco em que Portugal está a ser lançado.
Abraço
João Soares