Transcrevo este artigo de Francisco Queirós publicado no «Diário As Beiras», por o considerar um tema de reflexão interessante que nos mostra que a comercialização de rezes que se pratica na feira do Futebol é normal noutros meios sociais que nos deveriam merecer mais reverência. Algo vai mal na humanidade.
“Qual é o teu valor de mercado, mãe? Desculpa escrever-te uma pequena carta, mas estou tão confuso que pensei que escrevendo me explicava melhor.
Vi ontem na televisão um senhor de cabelos brancos, julgo que se chama Catroga, a explicar que vai ter um ordenado de 639 mil euros por ano na EDP, aquela empresa que dava muito dinheiro ao Estado e que o governo ofereceu aos chineses.
Pus-me a fazer contas e percebi que o senhor vai ganhar 1750 euros por dia. E depois ouvi o que ele disse na televisão. Vai ganhar muito dinheiro porque tem o seu valor de mercado, tal como o Cristiano Ronaldo. Foi então que fiquei a pensar. Qual é o teu valor de mercado, mãe?
Tu acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, antes de saíres de casa ainda preparas os nossos almoços, passas a ferro, arrumas a casa, depois sais para o trabalho e demoras uma hora em transportes, entra e sai do comboio, entra e sai do autocarro, por fim lá chegas e trabalhas 8 horas, com mais meia hora agora, já é noite quando regressas a casa e fazes o jantar, arrumas a casa e ainda fazes mil e uma coisas até te deitares quando já eu estou há muito tempo a dormir.
O teu ordenado mensal, contaste-me tu, é pouco mais de metade do que aquele senhor de cabelos brancos ganha num só dia. Afinal mãe qual é o teu valor de mercado? E qual é o valor de mercado do avozinho? Começou a trabalhar com catorze anos, trabalhou quase sessenta anos e tem uma reforma de quinhentos euros, muito boa, diz ele, se comparada com a da maioria dos portugueses. Qual é o valor de mercado do avô, mãe? E qual é o valor de mercado desses portugueses todos que ainda recebem menos que o avô?
Qual é o valor de mercado da vizinha do andar de cima que trabalha numa empresa de limpezas?
Ontem à tardinha ela estava a conversar com a vizinha do terceiro esquerdo e dizia que tem dias de trabalhar catorze horas, que não almoça por falta de tempo, que costumava comer um iogurte no autocarro mas que desde que o motorista lhe disse que era proibido comer nos transportes públicos se habituou a deixar de almoçar. Hábitos!
Qual é o valor de mercado da vizinha, mãe? E a minha prima Ana que depois de ter feito o mestrado trabalha naquilo dos telefones, o “call center”, enquanto vai preparando o doutoramento? Ela deve ter um enorme valor de mercado! E o senhor Luís da mercearia que abre a loja muito cedo e está lá o dia todo até ser bem de noite, trabalha aos fins de semana e diz ele que paga mais impostos que os bancos?
Que enorme valor de mercado deve ter! O primo Zé que está desempregado, depois da empresa onde trabalhava há muitos anos ter encerrado, deve ter um valor de mercado enorme! Só não percebo como é que com tanto valor de mercado vocês todos trabalham tanto e recebem tão pouco! Também não entendo lá muito bem – mas é normal, sou criança – o que é isso do valor de mercado que dá milhões ao senhor de cabelos brancos e dá miséria, muito trabalho e sofrimento a quase todas as pessoas que eu conheço!
Foi por isso que te escrevi, mãe. Assim, a pôr as letrinhas num papel, pensava eu que me entendia melhor, mas até agora ainda estou cheio de dúvidas. Afinal, mãe, qual o teu valor de mercado? E o meu?”
foto do «Diário As Beiras»
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Qual é o teu valor de mercado?
Publicada por A. João Soares à(s) 07:12
Etiquetas: valor de mercado
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4 comentários:
Há sete institutos com gestores que se consideram com elevado «valor de mercado» e não são obrigados a reduzir o seu salário. Ver a notícia:
Sete institutos são excepção na lei que reduz salários a dirigentes
Há filhos e há enteados, o que provoca falta de confiança e incita a utilizar truques para fugir às restrições da austeridade
VALOR DE MERCADO!!!!
Nós povo pacifíco temos um valor moral, mas só moral...
Queremos viver felizes até à reforma, pois sabemos que a partir daí vai ser complicado, creio que qualquer dia vai haver uma redução drástica na reformas é inevitavel, só que mais uma vez será em percentagem e como sempre os que já têm pouco ficarão sem nada, os que têm muito ficaram com um pouco menos, ou seja estes tipos querem acabar com todos nós pequenos dependentes, para que só fique a élite, basta refletir nas palavras da Ferreira Leite... essa deusa da justiça...
Caro Campista Selvagem,
Em questão de moral e de justiça social, a sociedade, a começar pelos políticos, está numa espiral de degradação, olhando apenas para o vil metal, eliminando tudo o que não produz ao jeito deles.
Li há dias num blog que estão a matar os pobres à fome, com aumentos de IVA e outras taxas e redução de pensões e outros subsídios e, também, de doença com os elevados custos da saúde.
Em recente Congresso do PS, o Dr. Almeida Santos apresentou um discurso sobre a eutanásia que se insere nas intenções do Poder: eliminar todos os que não produzem, ou pela idade ou por deficiência duradoura ou por doença que reduza a capacidade de produção.
Parece ironia ou mal-dizer, mas a realidade mostra que se está a caminhar para isso, de forma mais ou menos camuflada. Repare-se nas palavras do ministro da Saúde: só fala em poupança, em redução das despesas, e nunca refere a saúde, os doentes as necessidades da população nesse sector.
Mas, pelo contrário, os Poderosos não se abstêm das suas mordomias, como é, por exemplo, o caso do preço nos restaurantes e bares do Palácio de São Bento, que tem sido referido em e-mails.
Abraço
João
Atenção que não é apenas o «valor de mercado», pois os compromissos anteriores, a troca de favores e o compadrio também pesam muito, como se depreende da notícia:
Apenas os novos gestores públicos vão ter salário reduzido
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