Texto de João J. Brandão Ferreira recebido por e-mail
A recente proposta – ainda envolta em certo mistério – de promoção do Cor. Jaime Neves a Maj. Gen. tem gerado alguma controvérsia pública. Correndo o risco de ferir diversas consciências, não quero eximir-me a dar o meu testemunho sobre a questão por a julgar de importância.
Sou dos que penso não ter a proposta fundamento nem curialidade suficiente que a justifique. Com o devido respeito, acho-a até pouco sensata. Todavia, as razões que sustentam a minha posição não são aquelas que tenho visto expostas.
Quero começar por dizer que a figura e o valor do cor. Jaime Neves não está em causa e estranho, outrossim, que a proposta de promoção esteja envolta em certo secretismo que nada parece justificar. Estas coisas só ganham em ter transparência, até para não serem confundidas com “segundas intenções”.
Mas vamos lá ao cerne do problema.
O pecado original que dá origem, 35 anos depois, a esta polémica escusada, ocorreu no dia 25 de Abril de 1974, dia que marca uma tentativa de golpe de estado malogrado. Nesse dia deu-se, no âmbito da Instituição Militar (IM), início a um processo de saneamentos e prisões fora das regras da Justiça e da Disciplina Militares, que quase destruiu as Forças Armadas (FAs), e comprometeu o futuro da Nação.
O período de desregramento catastrófico, politico, social e moral, que se seguiu e que só foi travado – embora não completamente – em 25 de Novembro de 1975, viu um pouco de tudo. Após esta data, aproveitou-se a embalagem e lá se fizeram mais umas quantas prisões e saneamentos.
Sossegados os ânimos e tendo sido criadas, lentamente,condições para que o país pudesse passar a viver e a trabalhar, não direi “habitualmente”, mas com alguma serenidade podia-se ter criado as condições para sarar feridas e administrar justiça.
Fazer isto no âmbito militar exigiria que se levantassem processos a todos sobre que recaíssem suspeitas de acções iníquas, ou a pedido daqueles que se sentissem injustiçados. A nível institucional era fundamental separar o trigo do joio. E separar o trigo do joio não era julgar cada um segundo as suas opções politicas, mas sim averiguar quem se tinha comportado segundo “os ditames da virtude e da honra” e quem se tinha desviado deles.
Não era de somenos intentar isto – apesar de não ser fácil – pois só semelhante procedimento pertencia ao Direito e à Justiça e só ele permitia salvaguardar a IM no futuro – não é por acaso que as FAs não saem da menoridade confrangedora em que se encontram!.
Como nada disto foi feito, gerou-se uma atmosfera de desconfiança colectiva e um ambiente de todos contra todos, que a usura do tempo e o curso implacável da natureza não têm conseguido eliminar.
Ora não se tendo tomado as medidas correctas – e aqui a responsabilidade já não é só dos responsáveis militares mas alarga-se às forças políticas e aos órgãos do Estado – ainda se foi piorar as coisas reintegrando os saneados ou afastados na sequência dos vários eventos ocorridos. Isto é, meteu-se tudo no mesmo saco, numa tentativa de branqueamento da História que não deixa de ser equiparável ao apagamento da célebre foto de Trotsky!
A seguir, foi-se promovendo todo o bicho careta a coronel e, não contentes com isto – enquanto houve dinheiro na tesouraria - foi-se inventando subsídios como óbulos: aos ex-combatentes, aos prisioneiros de guerra, aos deficientes, etc.
Até o ex-capitão Valentim Loureiro, que nunca teve nada a ver com os dois “25” e tinha sido expulso do Exército por indecente e má figura, foi reintegrado e promovido a major!
Ou seja o caminho que, conscientemente, se intentou seguir, deu origem a um cortejo de injustiças, vigarices, oportunismos e outro adjectivos que antigamente se ensinavam na escola e na família, como tendo má cotação social.
E foi assim que de erro em asneira e de asneira em erro, se chegou à proposta de promoção de Jaime Neves a oficial general. Pois se já se integrou (e louvou), desertores, não se há-de promover o Jaime, que não as cortava, perguntarão alguns? A questão em si é uma falácia – sem fim – até porque está colocada ao contrário, embora não deixe de parecer pertinente.
O cor. Jaime Neves não será santificado como Nuno Álvares, pois não é nenhum santo e toda a gente sabe isso, mas tem nome feito e ganhou jús a um lugar na história militar e político-militar de Portugal. O seu valor militar já foi reconhecido na sua promoção a coronel, na atribuição da Torre e Espada – a mais alta condecoração nacional – e na nomeação para o curso superior de comando e direcção – que dá acesso a oficial general – o que ele, na altura, declinou.
A promoção a oficial general – porque não a três estrelas? – posto que até agora tinha sido preservado de excrescências revolucionárias, não lhe vai acrescentar nada e é algo ridículo depois de um longo período na reforma em que nada de significativo se passou.
É um presente envenenado e abre uma caixa de pandora!
Noutro âmbito parece pouco curial haver quem queira propor honras ou promoções quando as recusa para si. A não ser que esteja à espera também de uma recusa. Mas, nesse caso, é a própria proposta que não faz sentido.
Uma última consideração é mister fazer.
As grandes instituições nacionais, onde se incluem as FAs, não podem ter um comportamento idêntico ao dos actuais partidos políticos. Têm que ter (e têm) Princípios, Doutrina, Ética. Possuem um conjunto de valores que são o seu esteio e lhe balizam a existência. E têm que os praticar e não apenas enunciar.
Os chefes militares não devem contradizer-se em público, prometer e não cumprir, dizer hoje uma coisa e amanhã outra, querer algo e o seu contrário, etc.
Isto para dizer que o Exército, a Força Aérea e a Marinha, também têm que ter “verdades” oficiais e têm que as assumir. Por exemplo: o que se passou em Timor em 1975?; qual foi o desempenho das forças militares aquando da invasão do Estado Português da Índia, pela União Indiana?; o que se passou, de facto, em Wiriamu?; a guerra contra subversiva que o país levou a cabo em África, entre 1961 e 1974, foi justa ou injusta?, etc.
Ora ir promover o cor. Jaime Neves é continuar o relativismo moral que tem sido apanágio do passado recente e continuar a resolver os erros de ontem com novos erros que, fatalmente, irão gerar outros.
Afinal o maldito do PREC nunca mais acaba.
NOTA: PREC – (Processo Revolucionário em curso), período conturbadíssimo da vida portuguesa definido no espaço temporal entre 11/03/1975 e 25/11/75
12/04/09
João J. Brandão Ferreira
Tcorpilav(ref.)
terça-feira, 14 de abril de 2009
O “PREC” não acaba!
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10 comentários:
Parece-me tratar-se de mais uma trapalhada desta partidocracia, baseada em jogadas políticas e em que o próprio Cor. Jaime Neves se viu envolvido.
A figura do Militar, de quem sempre ouvi excelentes referências, dispensava certamente esta súbita mediatização e talvez, como refere sobre outras situações, seja o próprio a recusar a promoção(digo eu).
Cumprimentos!
Caro ALG,
Seria um gesto de muita dignidade da parte do coronel Jaime Neves por quem tenho muita admiração, recusar tal promoção, fora de horas e sem justificação bastante.
Alguém quer criar condições para também beneficiar de tal benesse. Ele, recusando, tiraria a outros a oportunidade de aproveitarem a boleia.
Há muito malandro à solta.
Um abraço
João Soares
Está confrmada a Promoção:
"Decreto do Presidente da República n.º 38/2009
de 17 de Abril
O Presidente da República decreta, nos termos do n.º 3
do artigo 28.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2007,
de 16 de Abril, o seguinte:
É confirmada a promoção ao posto de Major -General do
Coronel de Infantaria Comando Reformado Jaime Alberto
Gonçalves das Neves, efectuada por deliberação de 23 de
Março de 2009 do Conselho de Chefes de Estado -Maior
e aprovada por despacho do Ministro da Defesa Nacional
de 3 de Abril seguinte.
Assinado em 14 de Abril de 2009.
Publique -se.
O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA."
Cumprimentos
Caro ALG,
As pessoas colocadas em cargos de responsabilidade deviam ser mais racionais, mais lógicas e sensatas e não se prestarem a tácticas pouco claras.
E todos os outros não se deviam vender por um punhado de lentilhas. Jaime Neves, cujo heroísmo muito admiro, tomou uma atitude ao recusar ir ao curso para o generalato que, agora, o devia inibir de aceitar este rebuçado. Ou teve uma criancice então de que depois arrependeu, ou agora está com o raciocínio embotado e deixou-se ir na cantiga de Pires Veloso, mais de três décadas depois da boa altura pare receber o prémio do seu valor... que até recebeu.
Errar é humano e até os valentes têm fraquezas.
Um abraço
João Soares
Caro João Soares,
Eu ainda vou esperar pela posição do Cor. Jaime Neves face a esta promoção se é que vai existir, pelo menos de forma pública, agora que este processo parece inquinado à partida, isso parece!
Excepcionando o valor do Militar, todos nós Militares sempre ouvimos falar e sempre com as melhores referências do Cor. Jaime Neves e certamente que a sua promoção seria mais do que merecida, mas pergunto eu, será que não existirão mais Militares dignos de promoção desta natureza?
Ainda que não existam, certamente alguns se irão perfilar à espera de alcançar mais uma promoção, como sempre acontece!
Esta tentativa de país, que tão mal tem tratado toda uma geração que combateu por ele, e que está à espera que o problema desapareça de uma forma natural (leia-se morte natural do último combatente da Guerra Colonial), e que tem sido incapaz de os honrar como mereciam, é fértil em "esquemas" e "xico-espertices" que não conseguimos perceber, na maioria das vezes, o que realmente pretendem alcançar!
Cumprimentos
António Gonçalves
Caro António Gonçalves,
Haver ou não mais militares a merecerem igual promoção não é problema. Outros aparecerão a apanhar a boleia, tal como Valentim Loureiro quis aproveitar a benesse que deram, sem justificação lógica, ao Presa Fernandes.
A corrupção é a má utilização do poder. A promoção que em devido tempo seria um acto de justiça, agora, é uma situação caricata e ofensiva de princípios e de pessoas.
Repare que de tantos generais que há, nenhum levanta a voz para defender os valores e os princípios dos que deram a vida pela Pátria. Será que não sabem ler e escrever? Ou será que não querem perder a estrela do Mercedes? ou o desejado tacho a vir?
Um abraço
João Soares
Caro A. João Soares,
E o que me diz a esta notícia?
"Otelo Saraiva de Carvalho foi esta semana promovido a coronel de Artilharia. A promoção do líder operacional do 25 de Abril, efectuada ao abrigo da lei da reconstituição das carreiras dos militares que tenham sido penalizados por terem participado no período de transição da Revolução de 1974, ocorre sete anos depois de Paulo Portas ter travado essa iniciativa, enquanto ministro da Defesa, por questões relacionadas com o processo que envolveu o grupo terrorista FP-25, no qual Otelo foi indultado e depois amnistiado."
in, CM on-line 22ABR09
Corrigenda:
Onde se lê 22ABR09, deve ler-se 23ABR09.
Cumprimentos,
António Gonçalves
Caro ALG,
Quando me deram a notícia perguntei se era intenção ou se já tinha sido consumada. Incoerências e insensatez de militares, que não conseguem pensar sem vendas nos olhos.
Neste caso não se trata de prejuízo por razões políticas, mas por abuso do poder, por indignidade, por actos contra os direitos humanos praticados à margem da Instituição militar e do poder político, depois de a Revolução já estar a rodar com relativa serenidade.
Perante isto, as faltas cometidas por Valentim Loureiro não passam de infantilidades de um indivíduo ávido de riqueza. E este, depois, contribuiu para o engrandecimento do País, na política, nos negócios, no desporto e nas relações internacionais, com a Guiné.
Já que o Exército perdeu o rumo da dignidade, promova também este autarca, empresário , etc.
Caro amigo, com generais como os que temos, onde irá parar Portugal???
Um abraço
João Soares
Caro A. João Soares,
"Caro amigo, com generais como os que temos, onde irá parar Portugal???"
Esta sua pergunta tem uma resposta, que por respeito ao Juramento que um dia fiz, não a vou aqui escrever.
Há já muito tempo que perdi a esperança nas chamadas "elites", militares ou civis, pois fora alguns casos de excepção (curiosamente ou talvez não) quase sempre injustiçados profissionalmente, o resultado da sua actuação ou da falta dela, está bem à vista, infelizmente.
Desta trapalhada das promoções, que tem agora novos episódios e não me parece que fique por aqui, só espero que se lembrem de promover o Capitão de Abril Salgueiro Maia (este por razões óbvias ao posto máximo).
P.S - provavelmente existirão outros militares merecedores de igual distinção, mas Salgueiro Maia, representa o verdadeiro 25 de Abril de 1974, não sei se correctamente ou não (fruto de já ter lido a sua autobiografia inúmeras vezes, escrita por um grande amigo meu de infância.
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