(Public em DIABO
nº 2404 de 27-01-2023. pág 16, por António João Soares)
Vi uma notícia
intitulada «Peru apela a líderes religiosos para promoverem o diálogo e paz
social». É curioso que isto veio recordar-me cinco artigos publicados no
semanário O Diabo, em que defendia uma maior intervenção da religião neste
aspecto, devendo começar a intervir mais no desempenho da sua actividade social
e não se limitar à recitação do terço e outras devoções, quando isso não
coincide com o conhecimento prático dos textos que são recitados maquinalmente.
Um dia perguntei a um
militar que se gabava de ter sido seminarista e mais tarde se licenciou em
direito, quais os principais ensinamentos contidos na segunda parte da oração
«Pai Nosso». Ficou espantado pela pergunta e, entretanto, aproximou-se o
capelão do Centro de Apoio Social a quem fiz a mesma pergunta e que reagiu com
igual espanto e tive que lhe dar a minha opinião.
O Pai não nos vem dar
nada de material mas, segundo os textos bíblicos, ensina-nos a um comportamento
correcto e, na segunda parte da oração, vêm pedidos que devem ser interpretados
como comportamentos que devemos ter. «O pão nosso de cada dia» não deve ser
pedido, mas é um conselho para evitarmos a ambição e não pensarmos em ser
milionários, mas apenas ter o necessário para vivermos. A seguir, surge outra
lição de comportamento, segundo a qual, devemos pretender que nos sejam
perdoadas «as nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Isto
é, devemos respeitar os outros para sermos respeitados por eles a fim de
podermos viver em harmonia e paz. Devemos evitar «deixar-nos cair em tentação»,
do álcool, da droga, da ambição, da corrupção, etc. E devemos «livrar-nos do
mal», dos crimes e outras infracções pequenas ou grandes. O nosso futuro não
será proveniente de milagres, mas apenas consequência do nosso comportamento.
Nisto recordo-me de ter visto no livro «Conversas com Deus» que foi traduzido
pela Editora Diário de Notícias, em que à pergunta do jornalista se faz
milagres, foi respondido que «não faço porque isso seria uma transgressão às
leis rigorosas com que construí a Natureza».
Na realidade, tudo o que se pode ler nos escritos religiosos, desde os mais antigos aos actuais, são lições de comportamento que o povo não interpreta devidamente e considero que a sua explicação deve ser função dos líderes religiosos, principalmente os que mais contactos próximos têm com os crentes. Esperar por milagres com efeitos materiais acaba por ser pura ilusão. O que realmente convém é a mentalização sobre a realidade de cada momento por forma a concluirmos qual o procedimento mais adequado para obtermos o resultado desejado. Por isso, o papaguear orações sem compreendermos o seu texto, não tem utilidade prática se não interiorizarmos o seu conteúdo e compreendermos a sua lição de comportamento. Os mestres religiosos devem pensar nestes pormenores e procurar mentalizar os seus fiéis sobre os textos que lhes referem, porque é uma verdade vulgar que a maior parte das pessoas, não possuem só, por si, capacidade para interpretarem o que aprenderam a recitar. E por isso, o seu entendimento comportamental não se aperfeiçoa e estagna num nível incapaz de melhorar a sua vida e a da sociedade.
Será bom que os dinamizadores de pequenas cerimónias religiosas, em que participam pessoas pouco letradas, as esclareçam do significado dos textos, a fim de aumentar a sua cultura e o conhecimento daquilo que foi dito ou lido. Tudo o que está escrito tem um significado e uma finalidade que, por vezes, escapa aos menos atentos e torna-se indispensável ensinar com a clareza conveniente. E um crente bem esclarecido sentirá mais forte a sua fé.