Guerra económica em perspectiva
(Public em O DIABO nº 2259 de 17-04-2020, pág 16, por António João Soares)
Já se fala em guerra económica entre Ocidente e Oriente há alguns anos, mas há sinais de que ela já existe de forma pacífica e dissimulada desde o início da globalização. Esta, segundo historiadores, foi iniciada com a passagem do cabo do sul de África que separa os oceanos Atlântico e Índico quando Vasco da Gama deu novos mundos ao mundo. Até essa data, as duas partes do Planeta viviam desligadas, desconhecendo-se. Por exemplo, a China vivia em estado muito primitivo e ficou extasiada com os sinais dados pelos navegadores portugueses acerca do mundo mais evoluído da Europa onde a cultura e a arte mostravam ser um exemplo daquilo que aos orientais parecia um paraíso. E, com o seu sentido prático e eficaz, logo procuraram desenvolver as suas capacidades para se aproximarem do avanço do Ocidente. E sem lutas, porque os chineses não gostam de violência, iniciaram a imitação do que o Ocidente tinha de melhor, evoluíram em muitos aspectos e, nessa evolução, nunca pararam tornando-se iguais ao Ocidente na ciência e na tecnologia, ultrapassando-o depois em quase tudo.
Isso foi-lhes facilitado porque o Ocidente abrandou o seu ritmo de desenvolvimento, canalizando as energias para guerras de colonialismo, de independência, de rivalidades entre vizinhos, etc. Nessas diferenças de realidades político-sociais, a China investindo pouco como potência militar ofensiva, embora não desprezando a sua defesa por questão de sobrevivência, deu preferência à ciência, à tecnologia e à competição económica e hoje, nestes aspectos, é uma potência que confronta sem complexo de inferioridade a maior potência do Ocidente.
A presente crise devida à pandemia do Covid-19 provocou a paragem completa de muitos países com a imposição de medidas rígidas de quarentena para travar a propagação do vírus e provocou um golpe fatal em várias empresas e sectores a nível mundial. Na China, a pandemia foi muito dura mas, embora enfrentada com serenidade e determinação, conduziu a que empresas de interesse ocidental como, por exemplo, fabricantes de peças de automóveis como a GM, a Fiat, a Chrysler e outras foram forçadas a encerrar operações, por falta de procura dos seus produtos. As dificuldades de empresas em que a China tinha alguma participação financeira podem, nesta fase de recuperação chinesa mas de quarentena no ocidente, vir a ser objecto de compra de acções baratas, aproveitando a queda das cotações devido a dificuldade em transaccionar os seus produtos. Mesmo na hipótese de a China, na fase de recuperação mundial, poder decidir vender parte dessas acções, obterá elevados lucros. O mesmo se passará em outras actividades, mesmo com oportuna e aparente generosidade a empresas estrangeiras que estejam com dificuldades, e o capital investido poderá elevar a cotação da China de segunda para primeira potência económica mundial.
A China, desde que iniciou o seu renascimento com a globalização, soube sempre decidir com fundamento estratégico e óptimo aproveitamento de toda e qualquer oportunidade vantajosa para os seus objectivos no futuro da economia global. Depois de ter vencido o ataque do Covid-19, e enquanto a crise esteja com força noutras potências, ela inicia uma “guerra económica” com sensibilidade e aparente generosidade, de que colherá certamente grandes benefícios, em relação às estruturas rivais na economia global. Não deixará de atrair empresas internacionais de diversos ramos e de incentivar a sua contribuição para a recuperação de empresas que foram muito afectadas no sector do turismo e noutros. Esta evolução estratégica da China, sem violências, é própria do país que, para se libertar da invasão dos povos do Norte, principalmente dos mongóis, construiu uma muralha de 21.196Km durante vários séculos, a qual não impediu ser invadida pela Mongólia em 1211 e que só foi expulsa em 1360. Por isso, chamar-se guerra económica à sua intensificação da economia externa pode ser exagero. Mas será uma terminologia do agrado de Trump e à qual ele irá certamente reagir duramente se, antes, não for neutralizado internamente. ■
Miguel Sousa Tavares - Uma opinião corajosa
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