Privacidade pode servir suspeitos de crimes
DIABO nº 2217 de 190628, pág 16
Quando se defende que os deputados, ao serviço do povo que os elege, devem usar de transparência como prova e prestação de contas aos seus mandantes, aparecem agora em notícia como alvos de processo crime movido por José Berardo se publicarem as suas declarações quando foi ouvido na Assembleia da República por uma comissão de representantes dos portugueses, por isso lesar o seu direito a privacidade.
Tal não é original, pois já houve ilustres advogados que, quanto ao crime de corrupção, afirmaram que este não dará origem a penalização porque se trata de um negócio entre duas pessoas, sem testemunhas que o comprovem. Mesmo um dos dois intervenientes não tem interesse em o denunciar, porque ambos cometem o crime, ou activa ou passivamente. Por outro lado, diz o causídico que não é crime receber dinheiro de um amigo e viver à custa da amizade dele. Devido à complexidade do problema e à dificuldade de o tribunal dispor de provas irrecusáveis, a defesa, usando de habilidade de argumentação, pode impossibilitar a condenação. E desta forma se conhecem inúmeros casos de suspeitas referentes a famosos da “elite” nacional, com possibilidade de pagar aos mais famosos advogados e com a vantagem de os ocupantes do poder não estarem muito interessados em ver os seus amigos, com quem trocam amabilidades ou favores, incriminados por terem lesado o dinheiro público. Parece uma realidade como as que deram origem ao ditado “quem tem telhados de vidro…”.
Porém, mesmo assim, estão a cumprir pena Armando Vara e Duarte Lima e, como suspeitos em processo, José Pinto de Sousa, José Berardo, entre muitos outros. Um sinal de dignidade e sentido de responsabilidade parte da Polícia Judiciária, que se dignifica resistindo a “supostas” pressões quando, como foi noticiado recentemente, deteve, no âmbito de operação com título “Teia”, o presidente do Instituto Português de Oncologia do Porto, um autarca de Santo Tirso e outro de Barcelos, e uma empresária, por corrupção, tráfico de influência e participação económica em negócio.
A voz do povo tem tendência para o alarmismo e o exagero, pelo que pode não haver tanto malandro a abusar do dinheiro público, no exercício da sua função. Mas isso torna mais indispensável a função da justiça de forma minuciosa e sistemática para detectar os prevaricadores e salvaguardar aqueles que estavam injustamente na boca do povo, se bem que, como diz o ditado, “não há fumo sem fogo”. Mas é mais saudável que a Justiça funcione célere e de forma correcta, do que ser praticada por multidão “maldizente”. E nos dias actuais, com a tecnologia digital muito generalizada, não é exagerado pedir aos milionários a proveniência do seu capital, principalmente quando ostentam elevado poder de compra e dizem que não devem nada a ninguém e nada têm a pagar porque nada têm de seu!
A Polícia Judiciária deve ser respeitada e estimulada para exercer a sua função com dedicação ao interesse nacional, colectivo, independente de pressões de interesses ilegítimos. Para isso, os seus relatórios não devem ser metidos na gaveta e esquecidos, mas sim averiguados e submetidos a julgamento dentro de prazo aceitável. O castigo para ser compreendido e ter efeito dissuasor, deve demorar pouco depois do acto ilícito que lhe deu origem.
Em tudo isto, a privacidade deve ser um direito privado respeitado de forma inteligente sem prejuízo para outros e, principalmente, para o direito público, caso contrário pode ser uma blindagem que protege criminosos que lesam os interesses de outros e do próprio Estado. ■
Miguel Sousa Tavares - Uma opinião corajosa
Há 4 horas
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