quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A difícil arte de Governar

Na segurança dos posts Momento de mudança e Como atacar os maiores problemas de momento?, surge agora o artigo do Público Um país e muitos problemas à espera dos novos ministros de que transcrevo grande parte.

O XVIII Governo Constitucional, que continua a ser preparado em absoluto recato pelo primeiro-ministro, tem à sua espera muitos assuntos, decisões e conflitos que aguardam o novo responsável por cada uma das pastas, ao fim de várias semanas de governo de gestão. Todo o país aguarda as escolhas de José Sócrates e anseia por ver aplicadas as melhores soluções para os inúmeros problemas que o preocupam.

Seguem-se em esboço incompleto (dada a complexidade das situações) os que ressaltam de imediato:

Finanças - Cortar o défice sem afectar a economia

Apresentar um orçamento que inverta a tendência de escalada do défice, evitando ao mesmo tempo medidas que prejudiquem a retoma da economia. Esta é a tarefa difícil - e para muitos impossível - que espera o ministro das Finanças do novo Governo. O ponto de partida será um desequilíbrio orçamental em 2009 que, na melhor das hipóteses, pode ficar nos 5,9 por cento do PIB previstos pelo Governo, mas que a generalidade das entidades internacionais prevê que seja substancialmente maior. As Finanças terão de começar por negociar com Bruxelas a que ritmo é que será necessário recolocar o défice abaixo da barreira dos três por cento e, depois, encontrar formas de fazer a receita fiscal crescer (apesar do crescimento económico provavelmente ainda muito baixo) e de controlar a despesa (apesar da subida da taxa do desemprego e dos apelos para se aposte no investimento público). A realização de novas reformas na administração pública parece, num cenário de Governo minoritário, muito pouco provável. S.A.

Economia - Vida na Horta Seca para lá da energia

Recuperar a confiança dos pequenos e médios empresários é o primeiro desafio de um ministério cada vez mais político e cada vez menos gestor de fundos. O sucessor de Manuel Pinho herda uma bandeira política em derrapagem, os Projectos de Interesse Nacional (PIN), apresentados como a nata do investimento estruturante em Portugal. Uns projectos entraram em crise por causa da crise, outros simplesmente não arrancam por dificuldades várias, nomeadamente no turismo. Num ministério que apostou nos dividendos da política energética e das energias renováveis, o desafio está em saber se há vida na Horta Seca para além da energia. Apesar das campanhas publicitárias do turismo, esta tem sido uma área de acção discreta. O mesmo tem acontecido com a defesa do consumidor. Mas se o Ministério da Economia mantiver no seu título a tutela da Inovação, então esse será o seu maior desafio e que consistirá no desenho de uma política pública integrada com a Ciência. Manuel Pinho e Mariano Gago não se entenderam nisso. L.F.

Trabalho - Gastos sociais pressionam orçamento

A primeira tarefa é tentar obviar ao "vazio legal" criado com um erro na aprovação pelo Parlamento da revisão das leis laborais (novo Código de Trabalho) que despenalizou totalmente os actos irregulares em matéria nomeadamente de segurança, higiene e saúde no trabalho. Milhares de processos de contra-ordenação poderão ser arquivados sem sanção. E não vai ser fácil encontrar a forma legal de o evitar. Depois, vem a esperada subida do desemprego, mesmo que a economia tenha já iniciado a retoma. Os centros de emprego, que não se mostram já capazes de dar respostas práticas aos novos fluxos de desempregados, poderão sofrer uma nova enchente. Os gastos sociais tenderão a subir, criando uma nova pressão orçamental. Finalmente, o Governo tem a responsabilidade de vigiar os eventuais desmandos no mercado de trabalho, mais flexibilizado com o novo Código do Trabalho. A Autoridade para as Condições de Trabalho foi reforçada com 150 inspectores que só entrarão no "terreno" em meados de 2010. J.R.A.

Negócios Estrangeiros - Um ano decisivo na diplomacia

2010 vai ser um ano decisivo para a projecção da diplomacia portuguesa nos próximos anos. Portugal terá de posicionar-se devidamente para os novos cargos e funções que vão resultar da aplicação do Tratado de Lisboa, ao mesmo tempo que continua a lutar, contra adversários muito pesados, pelo ambicionado lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas para o biénio 2011/12. Para mais, no final do próximo ano Lisboa recebe a próxima cimeira da NATO, aquela onde se deverá adoptar o novo conceito de Aliança Atlântica. L.B./T.deS.

Educação - Avaliação e estatuto, que futuro?

Os partidos da oposição não perderam tempo e aguardam apenas que o Parlamento regresse aos trabalhos para confrontar o PS e o Governo com as suas propostas de suspensão do modelo de avaliação de professores e de revisão do polémico Estatuto da Carreira Docente. Depois de já ter simplificado várias simplificações do modelo, que solução terá o novo ministro para que o Governo não sofra a sua primeira grande derrota parlamentar? L.B.

Parlamento e Presidência - O primado da política

A par do primeiro-ministro, os Assuntos Parlamentares e a Presidência são os cargos políticos por excelência num cenário de governo minoritário. No Parlamento, caberá ao ministro residente fazer de interface com todos os partidos da oposição e alcançar o máximo de consensos possíveis para aprovar as medidas do Governo. Já o titular da pasta da Presidência terá de saber gerir as sensibilidades internas e fazer a ponte com Belém e as Regiões Autónomas. Tarefas delicadas que exigirão sensibilidade e músculo.L.B.

Administração Interna - A difícil tarefa de agradar à PSP e GNR

Reconquistar a confiança dos cerca de 50 mil efectivos da PSP e GNR será a mais difícil tarefa do próximo ministro da Administração Interna. Os elementos das duas mais numerosas forças policiais portuguesas terão sido, dentro do MAI, os que mais perderam enquanto António Costa e Rui Pereira estiveram à frente da tutela, uma vez que os seus agregados familiares deixaram de usufruir dos cuidados de assistência na saúde que há muito estavam instituídos e as condições de acesso à reforma e de progressão nas carreiras se agravaram significativamente. Enquanto o ministro Rui Pereira mereceu o reconhecimento de uma única força policial (SEF) e deixou boa impressão no que respeita à prevenção rodoviária e dos incêndios florestais. Conseguir igual desempenho nestas áreas já poderá ser uma vitória para o seu sucessor. J.B.A.

Obras públicas - O desafio do TGV

O programa de investimento em obras públicas foi das principais bandeiras lançadas pelo Governo de Sócrates para a recuperação. Agora que foi reeleito, apesar de contar com críticas cerradas da oposição, essa aposta deverá manter-se. A alta velocidade ferroviária, as novas concessões rodoviárias, e o novo aeroporto de Lisboa encabeçam os projectos, com os concursos para a construção da alta velocidade a levarem a dianteira. Mas podem adivinhar-se maiores dificuldades, já que as bases de todas as concessões são publicadas em decreto-lei, e estes são sujeitos a apreciação parlamentar - onde, nesta legislatura, o PS não detém a maioria. L.P.

Saúde - Futuro do SNS

Na área da Saúde, são vários os desafios susceptíveis de ameaçar o sono daquele que vier a sentar-se na cadeira ministerial. Desde logo, a necessidade de definir o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em geral e do sector hospitalar público em particular, por oposição aos grandes grupos privados que têm vindo a reclamar o tratamento dos doentes do SNS em lista de espera. No programa, o PS propõe-se mudar a organização interna dos hospitais, refere-se à criação de unidades de cirurgia de ambulatório, hospitais de proximidade, e inaugura o conceito "clínicas por um dia". Este processo, sobretudo no tocante à reestruturação das urgências hospitalares, terá que ser gerido com pinças, não vá repetir-se a exaltação que redundou na saída de Correia de Campos, em Janeiro de 2008. Continuar a reforma dos cuidados de saúde primários e da rede de cuidados continuados para os idosos é outro dos desafios, a par das mudanças na política dos medicamentos. Aqui o PS fala em rever o sistema de comparticipação, promover a prescrição electrónica e aumentar a presença dos genéricos. Resta saber se o próximo ministro o conseguirá fazer sem desencadear a ira dos grandes grupos farmacêuticos. N.F.

Justiça - Recuperar credibilidade

Juízes divididos, Ministério Público em guerra, advogados em conflito, cidadãos insatisfeitos. Uma situação de caos, apesar de todas as reformas realizadas pelo anterior Executivo, que lança mais achas para o sector da justiça e põe cada vez mais em causa a sua credibilidade. Tentar recuperar a boa imagem é o principal desafio que se coloca ao novo ministro. Às críticas crescentes sobre o arrastamento de grandes processos mediáticos, como a Casa Pia ou oFuracão, às dificuldades decorrentes do novo mapa judiciário e de algumas alterações das leis penais, acrescentam-se os problemas crónicos que dificultam o funcionamento da justiça: lentidão, burocracia, corporativismo e, evidentemente, a eterna falta de verbas. P.T.C.

Ensino superior - Aposta no alargamento a novos públicos

Com o alargamento do Programa das Novas Oportunidades e da escolaridade obrigatória para 12 anos, o ensino superior vai ter que começar a dar resposta a novos públicos. Daí que um dos principais desafios da nova equipa será o de pôr as instituições, sobretudo as do politécnico, a responder com oferta de Cursos de Especialização Tecnológica. Outra aposta será o ensino à distância, que o PS quer alargar a quatro vezes mais estudantes. O financiamento, a reorganização da rede e a oferta educativa são outros dos desafios que as universidades exigem que sejam respondidos. Outra guerra que o sucessor de Mariano Gago (ou o próprio) poderá vir a comprar é com as ordens profissionais: com o funcionamento em pleno da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, passarão a ser as escolas acreditadas a definir quais são as competência exigíveis para o exercício das profissões. B.W.

Agricultura - Pacificação do sector

A primeira grande tarefa que o próximo ministro da Agricultura terá de enfrentar é a pacificação do sector e encontrar vias de diálogo com os agricultores. Mas, para o conseguir, tem de provar que consegue desbloquear as verbas do Plano de Desenvolvimento Rural, não só revendo medidas que se revelaram desajustadas, mas sobretudo - e esta é a parte mais complicada - conseguir que o Ministério das Finanças desbloqueie as verbas correspondentes às contrapartidas nacionais dos apoios comunitários. Tem ainda de enfrentar o problema do nemátodo do pinheiro, que continua a avançar apesar dos alertas dos agentes envolvidos sobre a lentidão de algumas medidas previstas. A.F.

Ambiente - Clima e QREN são desafios

As alterações climáticas e a gestão do QREN, caso fique onde está, são dois dos maiores desafios para o futuro titular da pasta do Ambiente. Administrar o QREN implica responsabilidades sobre 21,5 mil milhões de euros de fundos comunitários para serem aplicados no desenvolvimento do país até 2013. No campo das climáticas, o novo ministro terá três anos para garantir o cumprimento das metas do Protocolo de Quioto. Apesar de a política climática ser transversal, em 2012, na hora de fazer as contas sobre as emissões de CO2 do país, quem dará cara é o Ministério do Ambiente - que coordena esta área. R.G.

Defesa - Submarinos e leis para aplicar

É uma área de governação típica de bloco central, de acordos PS-PSD. O próximo ministro terá de pôr em prática algumas leis que foram tudo menos pacíficas. Dois exemplos são a reorganização da estrutura de Defesa, contestada pelas chefias dos ramos que perderam poderes para o chefe das Forças Armadas e o novo estatuto remuneratório dos militares das Forças Armadas. Um dossier quente - e muito caro - é o da compra dos dois submarinos. Um debate em aberto para os próximos meses, na revisão constitucional, é uma maior articulação entre as Forças Armadas e a segurança nacional - como resposta às ameaças externas (terrorismo). Sempre sensíveis são as missões militares no estrangeiro. Uma prioridade será o reforço de meios e homens no Afeganistão, numa missão de alto risco. N.S.

Cultura - Mais dinheiro

A principal tarefa que espera o próximo titular da Cultura é a de conseguir inverter a progressiva desorçamentação do ministério. Sem assegurar bastante mais verbas do que aquelas de que dispôs o ainda ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro - menos de 0,4 por cento do Orçamento do Estado (OE) -, pouco mais poderá fazer do que garantir os serviços mínimos do Estado no sector. O próprio Pinto Ribeiro, caso Sócrates o venha a manter, dificilmente voltará a dizer, como fez no seu discurso de tomada de posse, que é possível fazer mais e melhor com menos dinheiro. E se é certo que dificilmente se regressará às vacas gordas do primeiro governo de Guterres, a verdade é que Sócrates, após a derrota sofrida nas eleições europeias, reconheceu que o seu governo deveria "ter investido mais em Cultura". Palavras que o futuro ministro faria bem em lembrar-lhe, se possível antes de aceitar o convite para o cargo. L.M.Q.

NOTA: Espero que estes dados sejam úteis para o trabalho que o amigo Pedro Faria está a preparar no seu blogue Rumindo.
Os textos aqui transcritos estão mais orientados para a luta interpartidária convergindo para o objectivo da manutenção do poder durante quatro anos, do que para os interesses nacionais que talvez exijam coragem de arriscar roturas com os maus hábitos que tanto têm prejudicado os portugueses, inibindo o crescimento de Portugal, apesar dos muitos sacrifícios exigidos aos contribuintes que acabam por não ver onde está o benefício para o País originado por tanto aperto de cinto.
E, pelo contrário, é visível o surgimento de novos ricos à custa de «negócios» obscuros de que muito se fala, mas que são ocultados das formas mais diversas, nada ficando além de fortes suspeitas que a falta de transparência não permite serem averiguadas de forma isenta, rigorosa e esclarecedora, para tranquilidade dos espíritos e consolidação de um clima de indispensável confiança.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro João Soares:
Este post é, de facto, muito útil e, até, talvez mais pelo que os autores do artigo do Público não apontam do que pelo que dizem, como o meu amigo muito bem notou.
Um abraço.
Pedro Faria